sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Viagem no Tempo com Plutão III - A Saga Continua


Plutão em Sagitário - cerca de 13 anos – de 1752 a 1765 e de 1995 a 2008

Estamos vivendo o fim desse trânsito, e a passagem de Plutão pelo signo dos conhecimentos mais elevados e da busca pela verdade da existência está, sem dúvida, deixando suas marcas em nossa visão de mundo. Nos últimos 13 anos Plutão trouxe várias faces de sistemas religiosos e filosóficos em que baseamos nossa sociedade, além de várias experiências novas nessa área. Isso nem sempre foi confortável. Ou ao menos não deveria ser. Há duas formas de se lidar com esse planeta: ou se atirando de cabeça, lutando com as implicações mais profundas e buscando as transformações necessárias para se sair de lá, ou tentando preservar-se, por medo do que possa acontecer, trancando a porta para as manifestações plutonianas, ignorando a habilidade que esse deus tem de arrebentar fechaduras. Esse segundo caminho costuma ser mais difícil. Na mitologia Hades-Plutão só abandona seus reinos em duas ocasiões: quando fica doente e quando se apaixona por Core-Perséfone, e em sua passagem por Sagitário tanto as doenças quanto as paixões vieram em busca de uma resposta filosófica e espiritual. No seu caminhar Plutão vai despertando os guardiões do Inconsciente Coletivo e nos obriga a enfrentá-los. Duas patologias que se tornaram “comuns” foram a Síndrome de Pânico e o Complexo Bi-polar. Em compensação, também nunca houve tantas formas novas de tratamento emocional e espiritual como agora, onde muitas vezes os insites conseguem trazer resoluções mais eficazes do que anos de terapia.
Uma coisa interessante que aconteceu na passagem anterior de Plutão por Sagitário foi a mudança do calendário Juliano para o calendário Gregoriano, em setembro de 1752. Podemos comparar isso com a difusão do Calendário Maia, que veio aumentando na última década. Apesar de saber muito pouco sobre esse calendário, é realmente impressionante a precisão astronômica que se revela em seus dados, e que só agora a nossa “civilização” consegue atingir, com a tecnologia desenvolvida nos super telescópios e com os dados enviados do espaço por máquinas viajantes como a Voyager. Mas falar do calendário Maia parece que está diretamente ligado a falar de Profecias Maias, e aí a coisa fica mais complicada. Como meu conhecimento a respeito chega a ser ridículo de tão superficial, não estou apta a comentar a respeito das profecias em si, mas pelas leituras que fiz me lembraram muito a Nostradamus, astrólogo e profeta renascentista que nasceu exatamente no início de um trânsito de Plutão por Sagitário, em 1503. Também não sou especialista em Nostradamus – aliás, me interesso muito pouco por profecias e previsões de futuro – mas tanto em um como no outro vamos encontrar a idéia de um fim de mundo próximo, onde os “bons” serão levados desse vale de lágrimas e os “maus” purgarão seus pecados.
Apesar de aparentemente estarmos conseguindo realmente dar um salto na nossa compreensão da existência humana em muitos sentidos - que aparece na popularização de conceitos e entendimentos da Física Quântica e da Neurobiologia, por exemplo -, parece também que ainda estamos presos à espera de salvadores, seja sob a forma da Segunda Vinda de Cristo ou de Discos Voadores.
Que o fim está próximo não há nenhuma dúvida. Ecologistas que gritam a mais de 40 anos sobre a maneira destrutiva com que consumimos o Planeta, hoje em dia são apoiados não só por entidades da Paz e do Amor, mas por economistas e cientistas “realistas” que também não têm dúvidas a respeito do fim próximo dos recursos da Terra e das catástrofes naturais que estamos gerando. O que aparece no nosso horizonte próximo é que se não mudarmos rapidamente nossa consciência planetária, o planeta vai dar um jeito de se livrar de nós. Para se informar mais a respeito, seria muito bom que se assistisse o documentário de Al Gore, “Verdade Incômoda”. Mas o que está acontecendo é que as pessoas se interessam muito mais em assistir “O Segredo” (“The Secret”), que ensina como disciplinar a mente e controlar a emocionalidade para obter sua mansão, seu casamento feliz, uns dois herdeiros, uma Ferrari na garagem e uma gorda conta bancária, e assim se tornarem um modelo de sucesso norte americano. Nada contra nenhum desses desejos em si, mas parece que estão querendo substituir a Ética Protestante pela Ética Espiritualista para manter o Espírito do Capitalismo. E se levarmos em conta a dificuldade para que os EUA assinem o Tratado de Kioto ou qualquer outro acordo que vise o reequilíbrio do Planeta em que vivemos todos, como as divergências que estão impedindo de que se faça um acordo hoje em Bali, podemos ver para onde vai nos levar esses “objetivos espirituais”. As idéias que foram distorcidas nesse tipo de “pregação” é a de que o Universo é abundante e de que somos co-criadores da nossa realidade. Essas idéias “secretas” são difundidas de maneira muito mais profunda e responsável há alguns milênios pelo Budismo. Aliás, foi só no Budismo que encontrei algum tipo de diálogo inteligente com as instituições e realidades que vivemos na tentativa de encontrar novas formas de se estar no mundo, através de Sua Santidade Dalai Lama, mas também de vários outros sábios e discípulos budistas. Por isso que essa me parece a forma mais interessante para estarmos olhando o que está acontecendo.
Como se tratando de Budismo também minha ignorância é muito maior que o meu saber, peço permissão às Dakinis protetoras do Dharma para apresentar reflexões que vêm de pessoas muito mais sábias que eu. Me baseio principalmente nos livros Portões da Prática Budista - Ensinamentos Essenciais de Um Lama Tibetano - Chagdud Tulku Rinpoche - Edição Ampliada - Tradução de Manoel Vidal - Edições Chagdud Gompa - 2003, e As Trinta e Sete Práticas do Bodisatva - Gyaltse Tokme - Tradução de Susanne Fairclough - Makara - 2006. Também os 17 Cds das palestras de Dzongsar Khyentse Rinpoche no Gompa de Três Coroas (RS), O Caminho do Bodsatva, que são comentários desse Rinpoche aos capítulos do Bodhicharyãvatãra, de Shãntideva, e os DVDs Budismo e Ciência e Budismo e o Mundo Contemporâneo, com palestras do Lama Padma Samten, foram fontes para as reflexões que trago a seguir. É bom esclarecer que todos esses mestres são do Budismo Mahaiana.
Cada vez é mais claro que aquilo que chamamos de Realidade é dependente dos pressupostos e paradigmas que usamos para olhar o mundo, sendo uma questão muito mais cognitiva que material. Assim sendo, mudar a realidade é mudar a maneira de experimentar o que está diante de si. Os budistas vão falar disso dizendo que as coisas são vazias em si mesmas, e que é compreendendo a vacuidade do que vivemos que iremos superar o sofrimento. A questão que se coloca, então, é se temos a liberdade para abandonar o nosso ponto de vista e dar o salto quântico que permita olhar o mundo de outra maneira. Foucault falava da possibilidade de se sair dos “pensamentos possíveis”, que parece ser bem semelhante. Mesmo que nossos paradigmas sobre o Universo tenham conseguido se modificar espantosamente - não podemos esquecer que a Terra já foi plana com todo o Universo girando ao seu redor -, parece que conseguir ver uma vacuidade original das coisas, capaz de gerar uma liberdade original assustadora para o nosso atual referencial, é algo mais complicado, pois ainda precisamos de certo determinismo para entender nossa existência e nossa identidade, por mais iluminados que nos sintamos. Mas se somos todos budas - ou feitos de luz ou divindades ou o nome que se dê - porque as coisas estão como estão? O budismo vai falar de 4 caminhos percorridos pelas 5 famílias humanas: uma não avança e tem seu potencial cortado, 2 têm avanço lento, 1 tem avanço lento e rápido de tempos em tempos, e 1 tem avanço rápido. A primeira família, que tem seu potencial cortado e não consegue avançar, olha para o mundo e não conseguem ver nada além do sofrimento nele contido. Assim acham que não há o que fazer e se conformam com isso, ou até percebem que algo deveria ser feito, mas é tudo muito grande e se sentem igualmente impotentes. E claro que há aqueles que vêem o mundo, acham que é a única maneira de se existir e - “farinha pouca, meu pirão primeiro” -, fazem o possível para aproveitar aquilo que conseguirem nesse mundo mesmo. As duas famílias que avançam lentamente olham para o mundo e acham que o problema está no mundo, então se afastam em busca de isolamento para a auto purificação. Pelo que dizem os budistas, parece que esse caminho, ao se cortar a negatividade e cultivar uma vida virtuosa, gera um avanço em direção à iluminação pessoal, mas é um caminho muito desgastante e lento. O terceiro caminho, que oscila entre o avanço lento e rápido, é quando a pessoa flutua conforme o ambiente em que está, avançando rapidamente quando em um ambiente virtuoso mas que se corrompe quando em contato com a negatividade de ambientes não tão propícios. E finalmente o caminho do Bodsathiva, que corre rapidamente para a Iluminação e arrasta junto todos os seres à sua volta. O bodisativa é capaz de criar virtude no ambiente do Sansara, da ilusão cotidiana que nos cerca, por conta da Compaixão que sente por todos os seres e que o motiva a se iluminar para melhor poder ajudar no caminho dos outros. Lama Padma Samten dá um exemplo bem significativo ao ensinar esse ponto. É como se estivéssemos todos recebendo aulas sobre como curar alguém mordido por uma cobra. Os membros das varias famílias não conseguem se concentrar nas explicações porque pensam que vivem em um ambiente protegido e nunca terão esse problema, enquanto o bodsathva ouve as explicações como uma mãe que tem nos braços um filho picado por uma cobra. Não é preciso muito tempo de reflexão para saber a qual família ainda pertencemos.
A sombra de Sagitário está numa visão equivocada de que todos os seus ideais e caminhos são divinos, deixando de ver o filho picado por cobras que tem no colo. Mas o impulso de expansão sagitariano, cheio de entusiasmo e amor pela vida, realmente tem suas raízes em Deus, ou o que quer que seja que carregamos e que impulsiona o crescimento da nossa consciência. Só o tempo poderá dizer quais dessas sementes todas que surgiram durante o tempo que Plutão esteve em Sagitário, realmente brotarão e darão frutos.
Para ilustrar o que quero dizer, aqui vai uma história budista tirada do livro Portões da Prática Budista, op. cit. pag. 3:
“Conta-se muito a história de um homem de uma região no norte do Tibet que decidiu fazer uma peregrinação com seus amigos até o Palácio Potala, a residência do Dalai Lama, em Lhasa, um lugar muito sagrado. Era uma viagem que marcava uma pessoa por uma vida inteira. (...). Quando esse grupo de peregrinos finalmente chegou em Lhasa, o homem do norte ficou assombrado com o Palácio Potala e seus múltiplos andares, suas muitas janelas e a vista espetacular da cidade que se descortinava do interior. Ele enfiou a cabeça por uma abertura bem estreita que servia de janela para ter uma visão melhor, girando a cabeça para a direita e para a esquerda, enquanto olhava a vista ali embaixo. Quando seus amigos o chamaram para ir embora, ele puxou a cabeça para trás com um solavanco forte, mas não conseguiu tirá-la da janela. Ficou muito nervoso, puxando de um lado para outro.
Por fim concluiu que estava realmente entalado. Então, disse a seus amigos, “Podem ir para casa sem mim. Digam a minha família que a notícia ruim é que morri, mas a notícia boa é que morri no Palácio Potala. Haveria lugar melhor para alguém morrer?” Os amigos eram também gente muito simples, de modo que, sem muito refletir, concordaram e foram embora. Algum tempo depois, o zelador do templo apareceu e perguntou, “Mendigo, o que está fazendo aí?”
“Estou morrendo”, ele respondeu.
“Porque você acha que está morrendo?”
“Porque minha cabeça está entalada.”
“E como você a pôs aí?”
“Eu a enfiei fazendo assim.”
O zelador respondeu, “Então, tire-a da mesma maneira que entrou!”
O homem fez o que o zelador sugeriu, e se soltou.
Como esse homem, se conseguirmos enxergar onde é que estamos presos, podemos quebrar nossas amarras e ajudar os outros a fazer o mesmo. Mas, primeiro, precisamos entender como viemos parar onde estamos.”

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