sábado, 29 de março de 2008

Marte: Você Tem Fome De Que?

Nosso vizinho vermelho é regente de Áries e co-regente de Escorpião, tem seu exílio em Libra, exaltação em Câncer e queda em Capricórnio. Seu movimento médio diário é de 0°12’, com ciclo de 1 ano, 11 meses e 26 dias.
Áries é o nome dado pelos Gregos ao Marte romano, e era, enquanto deus da guerra, considerado terrível e absolutamente destratado por aquele povo filosófico. Ele era fruto da raiva e do despeito de Hera, que se sentiu ultrajada ao ver seu marido Zeus parir Atená diretamente de sua cabeça, e por isso gera o deus da guerra sem recorrer a ele. Nas batalhas Áries tinha como escudeiros Dermos (o Terror), Fobos (o Medo) e Éris (a Discórdia). Esse grupo nem um pouco bonito de se ver, ao contrário do que se poderia esperar, não vencia todas as suas batalhas, e geralmente aparecem nos mitos como um grupo de tolos que são expostos ao ridículo: Atená atira em Áries uma pedra, como em um cachorro, e ele cai por terra “chorando como 10 mil homens”; dois simples mortais capturam o deus e o deixam preso em uma garrafa por 13 meses - assim como muita gente faz com a própria raiva -; enquanto amava Afrodite fica preso em uma rede feita pelo marido corneado - Hefesto - e serve de escárnio para os outros deuses, que vêm rir do ridículo espetáculo. Já Marte era honrado e respeitado pelo bélico povo romano, que o consideravam não só o deus da guerra, mas também da vegetação e da fertilidade, sendo cultuado na primavera. Mar, de onde deriva Marte, quer dizer brilho e o deus era comumente chamado Mar Gradivus “o brilho que cresce, que se torna grande”. Seus escudeiros eram Honos (a Honra) e Virtus (a Virtude). O desprezo grego e a reverência romana mostram dois aspectos desse planeta indicador da agressividade pessoal: um deles é a brutalidade estúpida, baseada no terror e que cria discórdia; a outra é aquela necessária para uma auto-afirmação saudável, que busca a independência e o crescimento pessoal com base na honra e nas virtudes próprias. A posição por casa e signo de Marte indica as formas com que os impulsos agressivos irão operar, nossa necessidade de atacar a vida de modo direto, de afirmar nossa liberdade e independência, assim como nossa tendência à beligerância e à competição, à paixões cegas e à acidentes. Sasportas chama Marte de “capanga do Sol”, pois ele representa o princípio do lutador solar, e também de qualquer planeta a ele relacionado.
É bem fácil encontrarmos o lado negativo de Marte em nossa sociedade. É só darmos uma olhada nos jornais para nos convencermos da necessidade que temos de um princípio de luta para enfrentarmos o mundo lá fora, que parece ameaçar nossa individualidade, nossos valores e até nossa sobrevivência física e psíquica. Na verdade Marte representa a força que desenvolvemos na luta para sair do útero e afirmamos nossa individualidade. Na Idade Média, Marte era considerado um princípio malévolo, e ainda hoje encontramos essa conotação em textos astrológicos mais “espiritualizados”. O reino da agressividade, da guerra e do conflito ainda é uma esfera espinhosa, difícil de encaixar num mundo perfeito, sendo realmente trabalhoso aprender a lidar com Marte de modo consciente e construtivo. Sem ele, entretanto, somos impotentes e vulneráveis e nos sujeitamos a receber uma boa surra do Marte dos outros. Esse planeta vermelho é quem nos dá a definição inicial da vida, que serve como instrumento básico da separação do útero e da coletividade. A maior dificuldade para conscientizar esse princípio é porque no momento em que assumimos certa postura em relação ao que somos, desejamos ou valorizamos, definindo-nos como entidades separadas, é impossível voltar atrás. Quando Marte é trazido à luz do dia e a declaração é feita, não pode mais ser desfeita - assim como não podemos voltar para o útero depois que respiramos sozinhos e nosso cordão umbilical é cortado - e é exatamente por que a ação marciana é absoluta e irreversível que muitas pessoas sentem dificuldade para lidar com ela. A principal característica de Marte é que ele não consegue se manifestar por rodeios e duplos sentidos para encobrir seus passos, simplesmente dizendo, como Lutero: “Eis-me aqui; e que Deus me ajude”. Quando Marte age, mesmo que se peça desculpa depois, nunca se voltará à fusão sem conflito anterior. Pode-se perceber isso claramente nos relacionamentos amorosos, quando a primeira briga sempre se torna um divisor de águas. No início do enlace amoroso, Netuno e Vênus presidem a corte, nos dando a impressão de que os dois corações batem em uníssono e “amar é nunca ter que pedir perdão”. Acontece que a única vez que experimentamos dois corações batendo juntos é quando estamos no útero, e quando Marte faz sua entrada, descobrimos que essa fusão cessa com o nascimento, seguindo-se uma discussão que define as identidades separadas de duas pessoas. Há sempre um lado nosso que teme usar Marte, pois quando agimos em nosso próprio benefício não há como voltar ao Jardim do Éden. Na jornada do herói há sempre aquela fase em que ele tem que enfrentar o dragão ou o irmão sinistro ou o inimigo mortal, e é nessa hora que precisamos fazer a entrada de Marte, com sua espada e o espírito de luta do herói. Há um ponto do desenvolvimento do Sol em que Marte deve ser evocado para defender a individualidade florescente, onde temos que nos definir como indivíduos separados contra todas as forças de atração regressiva da fusão com a mãe e o coletivo, cumprindo a tarefa implacável de analisar e definir a realidade de maneira objetiva, cortando-a para criar uma vida individual. Numa análise psicológica básica, as batalhas marcianas, a raiva, a agressividade e a afirmação do eu, são os implementos da separação da mãe e da formação de um ego individual nos primeiros estágios da vida. Essas emoções primitivas são as armas com que lutamos contra o dragão que toda mãe - por melhor que seja - se torna em certas fases do desenvolvimento do filho. A natureza primitiva e direta dessas emoções também confere uma clareza que só pode vencer o inimigo através de uma batalha de frente. A função marciana não consegue lidar com elementos misteriosos ou inimigos escusos - embora um Marte em água possa lidar melhor com confrontos indiretos. A natureza marciana pode ser insensível e bruta, mas é aberta, honesta e objetiva em essência, e, com isso, caso consigamos confiar na honra do inimigo, podemos lutar com igualdade e até perder com graça, retornando ao combate mais tarde. Mas não há como Marte se defender de uma facada nas costas, e não há faca escondida mais afiada do que a manipulação emocional. Podemos deduzir disso que um dos maiores problemas para a expressão saudável de Marte é a educação em um ambiente em que as brigas são veladas, onde a agressividade e o isolamento franco são coibidos e os esforços para se conseguir o que deseja são feitos por vias inconscientes. As doenças com fundo manipulativo - onde a raiva, a agressividade e a vontade são comprimidas em uma forma de controle velados mediante sintomas físicos - geralmente estão ligadas a um Marte aflito no mapa.
O herói que melhor traduz a natureza de Marte é Héracles - Hércules romano -, que era visto, tanto por gregos como por romanos, como o ideal de herói. Ele não era um sujeito muito inteligente, e sua jornada é repleta de erros, onde ele acaba matando quem não devia - como Hipólita, Rainha das Amazonas - ou ferindo amigos acidentalmente - como Quíron. Parece que ele sempre está coçando a cabeça e falando: “Ops, desculpe. Acho que exagerei um pouco”. Marte tem essa qualidade meio tola, mas é quando entra em batalha que mostra seus talentos. O padrão dos doze trabalhos de Hércules - que ele tem que se submeter por ter matado toda a sua família num ataque de loucura mandado por Hera - pode ser visto como uma série de mini mitos, sendo que cada um reflete uma faceta do treinamento de Marte. O ciclo dos doze trabalhos descreve as muitas facetas da batalha que devemos travar ao longo da vida, e como teremos que aprender a reagir através de um Marte rigoroso. Hércules completa seus trabalhos tendo aprendido a ser um pouco mais polido e autocontido, mas ainda sendo Hércules, e é o único herói que ganha um lugar no Olimpo em vez de ir para a Ilha da Bem Aventurança. A natureza marciana é, porém, anti-social: ele serve aos meus propósitos, e não aos da sociedade. Isso significa que, mais cedo ou mais tarde, a vida coletiva acaba temperando nossos instintos agressivos, já que ninguém é obrigado a agüentar o Marte estúpido de ninguém. Na melhor das hipóteses nos isolam, na pior, nos jogam na cadeia. Se conseguimos responder conscientemente aos desafios “equilibradores” do mesmo modo que Hércules aprendeu com seus trabalhos, acabamos aprendendo a expressar Marte de modo muito mais positivo, contido - não reprimido - e criativo.
Vamos olhar um pouco mais para o mito grego de Áres para entender as características dos nossos impulsos agressivos simbolizadas por esse planeta. Primeiramente, Áres não tem pai, é fruto de uma partenogênese de Hera, que está furiosa com o nascimento de Atená da cabeça de Zeus. Enquanto Atená não participa do reino do corpo e dos instintos, pois não tem mãe, Áres não tem um princípio paterno, sugerindo que ele não participa da dimensão intelectual do logos masculino. Isso faz dele um homem de instinto puro, sem a dimensão reflexiva ou simbólica. Assim, embora Áres seja inegavelmente fálico e macho, não participa do desapego dos deuses olímpicos. Podemos dizer que ele é lunar e ctônico, sendo descrito como um brutamontes de 100 metros de altura, peludo, mas que brilhava nas batalhas: ele é estúpido e desajeitado, mas tem luz sob a embriagues das lutas, e nada pode lhe fazer mal, lembrando o efeito na adrenalina e outras substâncias produzidas por nosso corpo em momentos de estresse, que parece nos tornar invencíveis, como que “possuídos” por um deus. A excitação da conquista deixa Áres sequioso por mais conquistas, e o único ser que consegue domar esse deus é Afrodite, por quem o senhor da Guerra se sente irresistivelmente atraído. É suficiente contar que o filho de Áres e Afrodite é Eros, o Cupido romano. Os mitos de Áres nos falam que estamos lidando com uma força instintiva básica e pura de sobrevivência, que encontramos tanto na agressividade quanto na sexualidade. Na Alquimia, Marte é o princípio do enxofre, geralmente retratado como um lobo, símbolo do instinto agressivo, da força vital básica em seu estágio bestial, antes da sujeição aos processos de transformação que resultam em sua humanização e que dá origem ao ouro alquímico. Isso pode ser traduzido como a forma primitiva e animal do Sol. O herói solar, antes de se tornar humano e desenvolver a capacidade de consciência reflexiva, é o lobo solitário, o enxofre que queima. Isso é facilmente observável na criança em torno dos dois anos, quando ela começa a se comportar de maneira horrível, com ataques desagradáveis e muitas vezes perversos. Essa fúria primitiva apresentada pela criança está ligada ao verdadeiro início da formação da individualidade, quando ela percebe que tem que lutar para conseguir o que quer. Essa fúria infantil dos dois anos precisa ser contida e temperada pelos pais, mas se for reprimida ou bloqueada por meio de culpas ou chantagens emocionais, dificilmente superará sua forma animal e o enxofre não se transforma. Quando isso ocorre acaba se descobrindo nos processos terapêuticos que ainda temos uma terrível criança de 2 anos solta no eu interior, como um vulcão ativo. Para transformar o lobo em rei, na Alquimia, corta-se suas patas e ele é colocado em um alambique selado e depois cozido, sem que seja morto, já que é divino, a forma animal do ouro alquímico. O lobo uiva e se agita muito, mas o alambique continua selado, senão não nasce rei algum e não se forma ouro. Isso pode parecer meio bárbaro, mas é uma imagem que apresenta o estranho paradoxo da educação de nosso Marte, que combina o reconhecimento de um grande valor com a necessidade de sofrimento para a transformação. É interessante nesse sentido lembrarmos o que ocorria em nossa infância quando nos sentíamos realmente zangados, e ver se conseguíamos expressar raiva e receber advertências sem nos sentirmos inúteis, ou então se a repressão era algo tão forte que simplesmente nunca sentíamos algo semelhante a raiva. Os pais não são responsáveis pelo nosso caráter básico e um Marte difícil no mapa não é “causado” pela forma como somos tratados. Mas o modo como nosso Marte é tratado pode fazer uma grande diferença na forma como tratamos essa nossa faceta na vida adulta, já que, de certo modo, a colisão entre o Marte de uma criança e o Marte dos pais acaba suscitando, no mínimo, uma raiva mútua, e, nesse caso, uma surra ou uma discussão feia pode ser muito mais saudável do que a profunda castração decorrente de ensinamentos que nos falam que a raiva e a agressividade são coisas ruins, indecentes e imorais em si. A culpa que vêm dessas mensagens é corrosiva, e de todo modo todos temos um pouco de culpa com relação a Marte, pois o deus da guerra é basicamente anti-social e tem cem metros de altura, não sendo interessante encontrar com ele numa ruela escura. Um Marte bloqueado significa uma enorme sensação de impotência e um sentimento de vitimização, o que representa uma grande raiva inconsciente que se expressa das mais variadas maneiras. Estudos americanos sobre depressão dizem que pensamentos com raiva ou fantasias sexuais são usadas por pessoas deprimidas para sair da cama, o que ilustra bem o que quero dizer.
Parece claro que se queremos um mundo mais harmônico e menos agressivo, é muito importante que entremos em contato com nosso Marte conscientemente, para assumir nossa individualidade e educarmos nossa criança guerreira.

quarta-feira, 26 de março de 2008

O Guerreiro Mítico de Áries

Áries é o deus grego da guerra, e seu correspondente romano é chamado de Marte. Qualquer história de guerreiros corajosos, que têm que cumprir uma difícil missão e salvar o mundo, pode servir para ilustrar esse signo, de Robin Hood a Guerra nas Estrelas, de Joana D’Arc ao Cavaleiro do Dragão, Eragon. Aqui vou falar do mito clássico ligado a esse signo: Jasão e os Argonautas, que vão em busca do Tosão de Ouro.

O Tosão é o velo de ouro de um carneiro, o que vêm bem a calhar, pois esse animal é o símbolo de Áries. Podemos vê-lo como o objetivo final desse signo, seja como a realização da própria individualidade, o término de uma investigação ou a morte do dragão. Filho de Esão e Alcímede, Jasão havia sido exilado de sua terra com seus pais, pois o tio, Pelias, usurpara o trono de Iolco, destronando e ameaçando de morte Esão. Após sua educação e iniciação por Quiron, Jasão, volta a Iolco para retomar o trono de direito de seu pai, e, como bom ariano, faz um acordo de trazer o fantástico tosão de ouro guardado no bosque consagrado ao deus Áries-Marte pelo “dragão que nunca dorme”, sendo que a impossibilidade de achá-lo apenas o anima. Reúne seu bando de Alegres Companheiros - os cinqüenta heróis Argonautas - e vai para a Cólquida, onde passa por muitas aventuras e toma o tosão para si. Mas essa história não tem o final feliz de Robin Hood. Jasão conta com a ajuda de uma feiticeira, Medéia, filha de Eetes, rei da Cólquida, que se apaixona por esse herói tão intrépido, bravo, audacioso e nobre. Eetes, que não poderia simplesmente dar o tosão ao herói, impõe quatro tarefas impossíveis a um mortal: subjugar dois touros bravios, presente de Hefesto, com cornos e cascos de bronze, que soltavam fogo pelas narinas; atrelá-los a uma charrua de diamantes; lavrar com eles uma vasta área e nela semear os dentes do dragão de Cadmo; matar os gigantes que nasceriam desses dentes; e finalmente matar o dragão que nunca dorme, guardião do velocino de ouro; sendo que o herói teria um dia, do nascer ao por do sol, para fazer tudo. Jasão já estava começando a pensar na idéia de desistir, quando Medéia se apresenta e promete ajudá-lo a sair vitorioso, desde que ele se casasse com ela e a levasse para a Grécia. Ele aceita o acordo e deixa que Medéia faça, com sua magia, o que deveria ser o seu trabalho. O conjunto dessas tarefas preliminares representa a luta contra as tendências à dominação perversa, de que o aspirante ao trono terá primeiro que purificar-se. O herói tem que mostrar não apenas que tem méritos para apossar-se do velo de ouro e assumir o poder, mas ainda, em razão da força que o anima, de permanecer como digno detentor do troféu conquistado. “Arar a terra” significa torná-la fecunda, e fazer isso com a ajuda de touros domados é uma prova da força sublime, da sabedoria, que doma o perigo e a tentação do abuso brutal, inerentes ao poder. Os touros com pés de bronze retratam a tendência dominadora, a ferocidade e o endurecimento do espírito. Medéia dá a Jasão um balsamo para que cubra seu corpo e suas armas que o torna invulnerável. Esse bálsamo, assim como o fio que Ariadne dá a Teseu, é símbolo do amor, que converte o impossível em possível, desde que as intenções da alma sejam puras. A questão é: Jasão tem esse amor ou está se servindo dele? Medéia é de uma família ligada à noite e aos poderes malignos da terra, e somente um herói já purificado poderia fazer essa sizígia sem sucumbir ao egoísmo e à intriga perversa que alimentam os poderes ctônios. Jasão é dotado de força heróica, mas está se respaldando em forças obscuras, por isso não lhe basta dominar os touros, e a prova “se repete”, para que o herói mostre com exatidão sua verdadeira intenção. O poder “semeia” inveja, ciúme e intriga, por isso Jasão tem que matar os gigantes de ferro, que se erguem contra o pacificador em busca de uma dominação perversa à custa do governante. Em vez de usar sua força heróica nessa prova, ele aceita o conselho ctônio de Medéia, e joga uma pedra em meio aos recém nascidos gigantes, que acabam se massacrando entre si, pois um pensa que está sendo atacado pelo outro, já que num ambiente de intrigas cada um se sente ameaçado pela inveja exaltada do outro e espera tirar proveito da briga. A astúcia não pode vencer a violência de maneira definitiva, pois trata-se de um emaranhado perverso que reina sobre o mundo e que, incessantemente conduz às explosões de violência. Jasão percorre muito rapidamente as 3 primeiras provas, e aquilo que deveria fortificar sua intenção sublime ameaça arrastá-lo para uma futura realização banal. Apesar do mal presságio, essas foram apenas preparações para seu real objetivo, que é o velocino de ouro. Mas aqui também Jasão usará das artimanhas de Medéia em vez de sua força heróica. A filha de Eetes adormece o dragão que guardava o velo, e Jasão não mata o monstro, que é a imagem de sua própria perversão, em luta heróica, e sim de uma maneira inglória, apenas se apossando do velocino sem maiores dificuldades. Utilizando o poder mágico de Medéia para cumprir seus trabalhos, Jasão se torna insolente face ao espírito e suas exigências de aperfeiçoamento, e assim se prende às suas intenções mais exaltadas, à corrupção dominadora, graças ao desencadeamento inescrupuloso dos desejos egoístas, e isso equivale a vender a alma ao demônio. Assim sendo, o rei não pode deixar que lhe levem o tesouro espiritual, representado pelo velo, e isso ocorre não só no plano externo, mas também no íntimo de Jasão, através de um grande sentimento de culpa por se saber não merecedor do troféu que leva. A fuga de Jasão e Medéia é a tentativa de recalcar essa falta, e por isso a feiticeira trai o próprio pai, e, ao fugir da Cólquida com Jasão, esquarteja seu irmão e vai jogando os seus pedaços no mar para atrasar o pai que os persegue, assim como em muitos tempos e lugares se costuma sacrificar os “filhos da verdade”, por ser essa insuportável. Mas eles escapam e tudo parecia ir bem até a volta, quando a vitória sobe à cabeça de Jasão e, claro, ele passa a se comportar como um carneiro estúpido e não como o possuidor de um velo de ouro: ele tenta descartar Medéia para se casar com uma princesa mais jovem, Creusa, vaidosa e ambiciosa filha do rei de Corinto. Só que Medéia não é mulher de se deixar afastar, e Jasão terá que aprender que não se faz pactos com o lado obscuro do inconsciente de forma leviana. Em vez de deixar o caminho livre, ela trucida os dois filhos que teve com Jasão, envenena a nova favorita com um manto mortífero, fugindo em seguida em uma carruagem puxada por dragões. Jasão se torna rei, mas com uma tirania tão perversa, que acaba devastando seu reino até ser expulso. O ex herói morre quando descansava sobre a nau Argos, atingido por uma viga caída do próprio barco que deveria tê-lo conduzido a uma vida heróica.

Áries tem que aprender com a vida que não se pode subestimar ou negligenciar o poder e o valor yin, feminino, assim como o mundo povoado por heróis e nobres causas ariano tem que abrigar também o poder da gentileza, da paciência, do compromisso, da compreensão, da justiça e da concórdia, que lhe mostra seu signo oposto, Libra. Esse herói, para conquistar o reino que lhe é destinado, tem que usar sua força e audácia não para conquistar uma gloria aparente que justifique sua vida, mas sim para domar seus desejos egoístas que levam à banalização da violência e das suas tarefas mais profundas. Só quando Áries confronta o seu ditador interior - que quer tudo de sua maneira e já, sem admitir as fraquezas dos outros e as suas próprias, sem admitir nada que não esteja de acordo com seu universo mítico -, essa enorme força pode ser libertada de modo positivo. A derrota, como Áries tem que acabar aprendendo em sua vida e em suas relações, não está no fato de não conseguir alcançar sua meta, seja ela ter o Tosão de ouro ou qualquer outra coisa que Áries coloque como meta para si, e sim aprender a refletir sobre suas ações, reter sua mente crítica e muitas vezes cheia de preconceitos, levando em conta as verdades do Outro, como ensina Libra. Aí sim esse herói de capa e espada poderá amadurecer e não precisará buscar saídas fáceis nem matar aliados. Quando Áries se transforma no verdadeiro herói que é potencialmente, então todos nós poderemos aproveitar a nova trilha aberta que só esse guerreiro é capaz de abrir.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Áries e o Impulso de Ser

Todos os que militam
Debaixo dessa bandeira,
Já não durmam, já não durmam
Pois não há paz na terra.


Se como capitão forte
Quis Nosso Deus morrer,
Comecemos a segui-lo,
Pois damos a ele nossa morte,
Oh venturosa sorte,
Se o seguimos nessa guerra.
Já não durmam, já não durmam,
Pois falta Deus na terra.


Com grande contentamento
Se oferece a morrer na cruz
Para dar luz a todos
Com seu grande sofrimento.
Oh, gloriosa vitória!
Oh, afortunada esta guerra!
Já não durmam, já não durmam
Pois falta Deus na terra.


Não haja nenhum covarde,
Aventuremos a vida,
Pois não há quem melhor a guarde
Que aquele que a dá por perdida
Pois Jesus é nosso guia
E também o prêmio dessa guerra.
Já não durmam, já não durmam
Pois não há paz na terra.

Teresa de Jesus - Sta. Teresa D’Ávila - Amante ariana de Deus.

Com o Equinócio de Outono no Hemisfério Sul, o Sol entra em Áries e iniciamos o ano astrológico. O mais impulsivo dos signos de Fogo mostra exatamente a energia necessária para sairmos da força regressiva da massa emocional de onde viemos e afirmarmos nossa individualidade única. Além de ser regido por Marte, o deus da guerra, e ser o exílio de Vênus, a senhora da beleza, o Sol, princípio da individuação, está exaltado em Áries e Saturno, o estruturador, em queda. Dá para se notar que ordem e harmonia não são a praia desse signo guerreiro. Geralmente as pessoas se dão muito bem ou muito mal com arianos. Os que tiveram experiências ruins com Áries dizem que ele é egoísta e autoritário, incapaz de escutar os outros. Já os que ficaram amigos de arianos falam de sua enorme capacidade de lutar pelo que quer, da incrível velocidade mental e da generosidade com que compartilha suas conquistas. Pois Áries é tudo isso ao mesmo tempo.

A personalidade ariana tende a ser iniciadora e pioneira, mostrando alguém ambicioso, que luta por aquilo que quer ou acredita. Desta forma, os atos e decisões tomadas são coloridas com traços de espontaneidade, impulsão e impaciência, justificadas através de uma idealização das causas que defende. Colocando-se sinceramente (às vezes ingenuamente) como defensor dos injustiçados e oprimidos, os arianos conseguem lutar contra as próprias amarras, que impedem a independência e liberdade que anseiam para agir. O ariano realmente parece sofrer daquilo que Liz Greene chama de “Síndrome do Cavaleiro Andante” ou “Síndrome de Joana D’Arc”. Dê-lhe uma causa - que pode ser desde o combate ao fumo ou o direito ao aborto, até as grandes revoluções políticas, contanto que se refira ao bem estar geral - onde exista um mal a ser desafiado e se possa trucidar o inimigo - que o ariano logo saca sua velha armadura, devidamente limpa e polida. O elemento Fogo mitifica a vida e Áries necessita achar alguma causa para defender, pois assim pode mostrar todo seu gênio e coragem. Essa descrição pode dar a impressão de que Áries é um signo um tanto quanto anacrônico, porém o espírito cavalheiresco é decididamente uma das qualidades arianas. No fundo da alma do ariano a época do amor cortês ainda existe, e ele procura alguma Ordem que possa declará-lo Real e Fiel Cavaleiro e lançá-lo na aventura de caçar dragões e defender donzelas. Áries se portará sempre honradamente, seja como amigo ou como inimigo; será generosos e leal com os amigos e raramente se inclinará a revanchismos ou mesquinharias para com os inimigos. Isso faz com que haja sempre um forte traço de impaciência, no limite da arrogância em Áries, pois ele não suporta nada que considere bobagem, atraso, insubordinação, estupidez e indiretas; enfim, não suporta nada de boa vontade, mas sim com nobreza. Como todo signo de Fogo, Áries é, na verdade, uma criança, o que quer dizer que ele pode parecer infantil, mas também que tem uma inocência corajosa e de bom coração. Deslealdades, intrigas e maldades de qualquer espécie realmente o desnorteiam e ferem. E isso acontece sempre, pois, vivendo em um mundo de ideais nobres, ele tende a se esquecer dos fatos e situações reais, onde as coisas são diferentes do que poderiam ou deveriam ser. Áries não tem grandes preocupações com o status quo, pois sua maior necessidade é de ação, de algo que o desafie e que lhe permita colocar sua energia, estimulando e oferecendo novas possibilidades, de preferência com muita liberdade pessoal para dar andamento a seus projetos sem interferência. Nem todos os arianos tem a disposição física do deus da guerra, mas a maioria aprecia esportes e competições, pois aí encontram o espírito de desafio e vitória que procuram. Isso se dá com freqüência também no plano intelectual, onde a energia dinâmica que Áries possui é mostrada na sua impressionante vivacidade mental. Mercúrio, o planeta da comunicação, é considerado o regente de Áries na Astrologia Esotérica. Seja como estudante, filósofo, profeta, artista ou líder religioso, o ariano mais mental adora desafios intelectuais, problemas difíceis de resolver, textos impenetráveis que o faça batalhar.

O carneiro de Fogo é capaz de pensamentos profundos e considerável ternura, mas é também capaz de largar qualquer compromisso mundano para se embrenhar em alguma Cruzada. Isso quer dizer que Áries tem uma tendência a criar crises se não houver uma pronta para enfrentar. Ele poderá atormentar pessoas e abalar situações muito estáveis, que ele considere paradas e estagnadas, até a grande explosão final. Ele gosta de fazer o papel de Advogado do Diabo, mesmo que o preço seja o de que todos se aborreçam com isso, pois isso gera ação, e ação, para Áries é sinônimo de vida.

domingo, 2 de março de 2008

NETUNO



Em 1841, observando Urano no céu, dois jovens astrônomos começaram a levantar a hipótese de que haveria um oitavo planeta orbitando o nosso Sol, pois o caminho uraniano parecia perturbado por algo que só poderia ser outro planeta, e não poderia ser nem Saturno nem Júpiter. Somente cinco anos depois essa hipótese foi comprovada por observações telescópicas. Ao se encontrar Netuno, também foi corroborada a órbita elíptica de Kepler, e tivemos que aceitar definitivamente que o Sol possui um companheiro invisível como foco do centro do nosso sistema. Nessa época, Helena Blavatsky, organizadora da Sociedade Teosófica, está fazendo suas viagens pelo Oriente, Allan Kardec visita mesas girantes, a parapsicologia está se tornando ciência e Charcot trata a histeria com hipnose. E assim tomamos consciência do novo regente de Peixes, que se exila quando no prático signo de Virgem, fica em queda no auto centrado signo de Leão e exaltado quando no coletivo signo de Aquário. Sua órbita ao redor do Sol dura quase 165 anos, ficando cerca de 13 anos e meio em cada signo, ou seja, praticamente o dobro de Urano.

Misticismo, ilusão, dissolução do ego e confusão são os termos mais utilizadas pelos astrólogos quando falam desse planeta que recebeu o nome de Netuno, o Senhores dos Mares, dos rios e das águas subterrâneas, conhecido como Poseidon pelos Gregos. Esse deus vivia em um palácio no fundo dos oceanos e podia emergir dos mares com a água se abrindo calmamente ao seu redor ou com furiosos vendavais e ondas assassinas. O elemento Água, em astrologia, é associado ao campo dos sentimentos e das emoções, que, como o deus, podem tanto ser plenos e divinamente inspirados quanto passar por cima de nós como uma onda gigantesca da qual não podemos escapar. O ser humano carrega em si uma ânsia por pertencer a algo maior e mais pleno do que a sua individualidade, e Netuno nos mostra a possibilidade de dissolver as fronteiras do que é separado e vivenciar a totalidade da vida. Mas a ambigüidade de sermos todos Um, embora separados, de sermos abençoados e malditos, de sermos seres com grandes potenciais, feitos à imagem e semelhança de Deus, mas também fracos e frágeis, capazes de regredir ao desamparo infantil e à inadequação humilhante, nos causa grande conflito. Como conseguir penetrar nessa confusão com a confiança de que esse é o caminho de transição para uma maior clareza e abundância? Novamente é Saturno - o princípio estruturante do eu - que faz a contraparte de Netuno. Possêidon era filho de Saturno, irmão mais velho de Zeus, e também foi devorado pelo pai temeroso de ser destruído. A idéia de desintegração da identidade individual é algo atemorizante, pois não sabemos o que somos sem ela, por isso nosso desejo de re-ligação com a totalidade da vida é cercado por tantas dificuldades. O mais comum é que entreguemos essas questões para o inconsciente. Como tudo que é jogado ao porão da psique acaba se disfarçando para aparecer na frente da casa, na área do mapa astral em que temos Netuno é comum encontrarmos situações onde não temos outra escolha senão sacrificar os desejos pessoais e aceitar as forças que não conseguimos mudar ou aliviar. A dor e a delícia de Netuno é a força com que ele despoja nossa vontade pessoal de seu sentimento de poder superior e de isolamento e, purificados, nos envia aos braços de algo amorosamente maior. Na área onde temos Netuno há uma fugidia lembrança do Paraíso Perdido e passamos a procurá-lo na terra, na crença de que ali estará nossa redenção. Barganhamos com Netuno nada menos que o êxtase absoluto, ficando invariavelmente desapontados quando o mundo exterior não nos oferece tudo aquilo que vislumbramos. Com amargura e feridos, olhamos para outros lados em busca de consolação - seja no divã do analista, no bar ao lado ou na igreja mais próxima. A desilusão de não obter o que se sonhava de Netuno pode ser o marco de entrada em outra dimensão de experiência se esse sofrimento fizer com que se volte para o interior em vez de buscar a redenção em uma realidade externa. É a descoberta de que a felicidade que procuramos está lá, escondida no indestrutível palácio de ouro de Netuno dentro do oceano.

Este é um planeta coletivo, que vai influenciar nos em nossa busca por redenção humana. Uma maneiras interessante de observar a influência de Netuno é através da moda, que nos mostra como as pessoas estão se “fantasiando” para mostrar com o que sonham. Quando usamos as lentes nebulosas de Netuno para observar a moda das ruas, o vestuário das tribos ou os desfiles de alta costura, podemos sentir, através dos símbolos, das cores, formas e texturas, como as pessoas estão abrindo mão da identidade única para se misturar àquilo que coletivamente se coloca como Belo. Quando se pergunta porque alguém se veste como se veste, a resposta geralmente se baseia em algum gosto subjetivo, o que também nos ensina muito sobre Netuno. Esse planeta nos coloca em meio a uma nuvem densa onde não conseguimos diferenciar o que é nosso, o que é do outro ou o que é coletivo, e, como quando dirigimos sob neblina, precisamos caminhar de faróis baixos, com calma e atenção, pois um caminhão pode simplesmente aparecer de uma hora para outra, como por encanto, e causar um acidente. É por conta dessa dificuldade, muitas vezes assustadora, que a casa que esse planeta comanda é onde procuraremos um salvador. Iremos nos comportar como vítimas, recusando responsabilidades e esforço pessoal, esperando que alguém apareça para tomar conta dessa área para nós. Há também a possibilidade da dinâmica contrária, fazendo-nos salvadores dos outros por causa da simpatia pela dor alheia dada por Netuno. Normalmente oscilamos entre um extremo e outro. Esse é um deus escorregadio e as coisas que pensamos desejar parecem nos escapar misteriosamente, dificultando a visão dos fatos e fazendo-nos escolher apenas o que dá sustentação à nossas fantasias, até o dia em que a realidade nos cai na cabeça tirando-nos qualquer pequena certeza.

Cristo é considerado o Mestre Netuniano - seu nascimento é tido como marco do início da Era de Peixes -, aquele que é ao mesmo tempo vítima e salvador, ensinando a redenção do pecado através do sacrifício total ao Amor Divino. Mas o simbolismo desse planeta me parece mais claro quando pensamos nos arquétipos femininos do Amor e da Compaixão, como a Virgem Maria católica ou a Kuan Yin e a Tara do Budismo. É em Yemanjá, porém, a Grande Mãe e Rainha dos Mares dos Iorubás, que encontramos mais elementos para entender Netuno. Diz a lenda que quando Yemanjá recebeu o mar como presente de sua mãe, Olocum, as águas salgadas eram tranqüilas e fonte de serenidade. Mas quando os humanos começaram a abusar e causar mau ao mar, a deusa foi em busca do auxílio de Olorum, Senhor dos Céus, e criou as ondas e marés para proteger seu reino e devolver à praia o lixo jogado em suas águas. Assim também quando não respeitamos nossas emoções e o trabalho a ser realizado para maior desenvolvimento da consciência, enchendo o inconsciente com aquilo que não queremos reconhecer de nós mesmos, receberemos de volta todo o medo, a confusão, os conflitos e distorções que essa negação gera em nosso interior. Mas se em lugar de usarmos nossas fantasias e sonhos para tentar escapar da responsabilidade pessoal e do sacrifício voluntário de nossas imagens idealizadas, usarmos essas inspirações divinas para mergulharmos nesse espaço onde a limitada mente racional não consegue entrar, poderemos ver que é exatamente onde nos acreditamos frágeis e vulneráveis que encontraremos as portas para uma maior sensibilidade criativa e afetividade amorosa. Só assim teremos como vislumbrar o coração amoroso da Grande Mãe em lugar de sermos jogados, cheios de desilusão, repetidamente na praia.