domingo, 20 de maio de 2018

Urano Saindo de Áries


Cuidemos do nosso coração porque é de lá que sai o que é bom e ruim, o que constrói e destrói.

Papa Francisco







Esse post foi todo reescrito graças a minha amiga Vânia Camargo, que leu e não entendeu nada. Ela ainda me mostrou ponto a ponto o que estava obscuro, e sou muito grata a ela por esse cuidado. Então, vamos lá. 


Quando um astro transpessoal muda de signo, costumo olhar para as notícias mundiais para ver o que está acontecendo que pode se conectar simbolicamente a essa mudança. Dia 15 de maio de 2018 Urano começou sua jornada de quase 8 anos pelo signo de Touro, um dia depois do início dos conflitos onde 116 palestinos morreram e 2.700 ficaram feridos (últimos números obtidos antes dessa postagem) pelo exército israelense na Faixa de Gaza durante protestos pacíficos contra a transferência da Embaixada dos EUA de Tel Aviv para Jerusalém. Nessa noite tivemos também uma Lua Nova no finalzinho desse signo, e a Lua Nova sempre traz as sementes de um novo ciclo. Em novembro ele volta para Áries para os retoques finais e em 2019 vai definitivamente para Touro. Aqui vou refletir um pouco sobre os últimos 8 anos, quando Urano caminhou por Áries, para depois pensar sobre os caminhos taurinos desse Transaturnino.

Urano em Áries trouxe um estranhamento social quase instintivo, criando verdadeiros vingadores. Apesar de só ter adentrado o signo de Áries no início de 2011, os primeiros sinais dados por esse posicionamento foi a Primavera Árabe, onda revolucionária de manifestações e protestos que ocorreram no Oriente Médio e no Norte da África a partir de 18 de dezembro de 2010, precedido de um eclipse em Escorpião em novembro. Se iniciou na Tunísia e no Egito, depois começaram as guerras civis na Líbia e na Síria, além dos grandes protestos na Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Omã e Iémen e protestos menores no Kuwait, Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita, Sudão e Saara Ocidental. Um bom filme para entender como foi essa onda é The Square (A Praça) da diretora Jehane Noujaim, de 2013, que retrata os 2 anos de protestos no Egito. Resistência civil, greves, manifestações, passeatas, comícios, e o uso das mídias sociais para organizar, comunicar e sensibilizar a população e a comunidade internacional, em contrapartida às tentativas de repressão e censura na Internet pelo Estado, foram usados. A violência do Estado foi brutal e as grandes potencias se aproveitaram para criar mais caos e incentivar a violência nessa zona amaldiçoada pelo petróleo. O resultado foi muito frustrante para a população que reivindicava mudanças, quando não se transformou em genocídio. Urano traz essa ânsia de mudanças que leva as pessoas para a rua, mas Áries, enquanto Fogo Cardinal, tem a força do movimento, não da construção de algo novo. No Brasil pudemos viver um paralelo disso, quando as passeatas e manifestações iniciadas em 2013 pelo “Passe Livre” resultaram no golpe de 2016. Assim como a primavera árabe juntou fundamentalistas religiosos, democratas, comunistas, liberais e monarquistas, a movimentação aqui também começa com a necessidade de ir pra rua tentar mudar algo que incomoda na grande estrutura sem muita consciência do que estava acontecendo. Vendo uma entrevista da filósofa Marilena Chauí, ela conta que foi pra rua na passeata do Passe Livre em São Paulo e saiu perguntando o que as pessoas estavam fazendo lá, e descobriu que muitas pessoas estavam lá porque haviam brigado com o namorado, porque os amigos chamaram, porque não queriam voltar pra casa, e outras razões bem pessoais que nada tinham a ver com o protesto. Urano, como movimento coletivo, em Áries, o Guerreiro do Zodíaco, traz essa ânsia de ir pra rua, mas o resultado não é uma transformação social ou estrutural, mas uma rachadura na normalidade. Mesmo as pessoas que estão ali por alguma motivação ideológica, não são capazes de prever qual é a mudança que está acontecendo. Quando olhamos para os transaturninos estamos olhando para uma mudança coletiva, o que significa algo novo no horizonte que precisa ser experimentado para fazer sentido, pois a necessidade de mudança vai além das ideologias ou medos pessoais.

A divisão que surge, e que se torna cada vez mais forte, entre “nós, os bons” X “vocês, os horrorosos”, tomou conta das pessoas e fizeram com que os diálogos tivessem a profundidade de um pires. Essa situação demonstra que estamos sob a influência negativa de um arquétipo constelado, que se manifesta como possessão, fanatismo cego e rigidez ideológica. O arquétipo é um complexo, ou seja um monte de ideias, imagens e sentidos que se misturam pra criar uma forma no inconsciente que nos dão estrutura psíquica. Os arquétipos são coletivos, existem dentro daquilo que C.G.Jung conceituou como Inconsciente Coletivo, compartilhado por todos os seres humanos de todos os tempos. Eles são o material de mitos e contos, por exemplo, e isso faz com que você entenda um mito Yanomami constelado - ou seja, com forma consciente - contado há milênios atrás. Quando um arquétipo entra em ação dizemos que ele foi constelado e a marca de um arquétipo constelado é o afeto com o qual ele atua. Por exemplo, quando você nasceu já veio com um arquétipo de pai no seu inconsciente e ele é 'atualizado' através da sua experiência concreta com um ser humano concreto que você chama de pai. Então, quando você ouve a história de João e Maria por exemplo, e lá diz que os irmãos - outro arquétipo - foram abandonados pelo pai, você tem condições de entender afetivamente o que isso significa, mesmo nunca tendo passado por essa experiência. Quando uma pessoa individual é tomada por um arquétipo ela pode transformar o que sente em arte, por exemplo, e fazer um quadro ou uma dança que transmite para outras pessoas esse afeto arquetípico. Essa é a força criativa de um arquétipo traduzido individualmente. Quando o arquétipo é constelado - ou seja, ganha forma - através do coletivo, ele vai gerar sentimentos coletivos e nossa capacidade de dialogar com o arquétipo internamente se apaga, já que ele estará sendo projetado fora. É aqui que se estabelece de maneira irresistível o 'nós x eles', que é semelhante aos estados de possessão descrita por gente que trabalha com espíritos, pois o ego, a identidade pessoal, é eclipsada por essa força inconsciente e nos deixa cegos para as qualidades individuais. Toda possessão arquetípica é mórbida, e não temos mais (ou está ainda muito distante) a sabedoria de povos tradicionais que conseguem fazer a distinção entre uma pessoa “possuída” por um conteúdo arquetípico, e que portanto precisa de tratamento, e um pajé ou curandeiro que sabe controlar os “espíritos” e pode deixar que exerçam livremente seus poderes por meio dele sem se deixar possuir (Psicologia e Religião – C.G.Jung – Obras Completas vol. XI/1 – Ed. Vozes). Encontramos várias maneiras químicas para silenciar os espíritos que assombram esses tempos, mas isso não os elimina ou amansam, apenas os manda para longe da consciência. Parece que esse é o preço que estamos tendo que pagar para impedir a desintegração da consciência individual, já que não fomos educados ou preparados para manter nosso ego inteiro frente ao imenso poder emocional dos arquétipos inconscientes.

Os efeitos positivos dos arquétipos, porém, estão por trás de todas as criações e realizações humanas, seja no âmbito da Cultura e das Artes, seja nos novos modelos científicos e das novas ideias que caracterizam uma época. Sim, a retirada de filosofia e arte das escolas, que já eram ínfimas, é um crime de lesa humanidade, pois eliminam das escolas áreas importantes para aprender a fazer esse diálogo conosco mesmos. Alguns historiadores como Arnold Toynbee (Um Estudo da História, em 12 volumes, onde 23 civilizações são estudadas), falam dos ciclos vitais das culturas determinadas por formas arquetípicas. Aion, obra de C.G.Jung, é a tentativa de demonstrar os processos arquetípicos do inconsciente coletivo se manifestando na cultura da Era Cristã.

Urano em Áries constela o arquétipo do Guerreiro Revolucionário que vai salvar o oprimido (seja ele o empresário coberto de impostos ou o trabalhador explorado). O problema é que o arquétipo – e Urano – por ser coletivo, está trabalhando em uma dimensão que diz respeito ao Humano e busca nos libertar dos moldes que nos definem individualmente e dão segurança em uma rede social ao custo de nosso potencial criativo único, e, portanto, vai passar por cima de tudo isso que é muito precioso para o nosso ego, como a tchurma com a qual me identifico e que me faz ter estranhamento com relação ao Outro, da outra tchurma. O Guerreiro não constrói nada, ele só tem função no combate. Um bom exemplo disso foi Che Guevara, nascido com Urano em Áries no ascendente, e que foi um líder incrível na Revolução Cubana, mas que depois de estabelecido o novo governo se sente sem função e vai para a África e para a América Latina para continuar a libertar o mundo. Seus diários desse período falam das grandes frustrações que viveu, e ele termina sendo assassinado e se transformando em ídolo pop.

Se olharmos os períodos anteriores de Urano em Áries, após seu avistamento, de 1843 a 1850 (1848 conjunção com Plutão, ainda não avistado) e de 1927 a 1934, observamos algumas semelhanças interessantes que podem ajudar a entender esse período que estamos terminando e fazer uma ponte para o próximo movimento uraniano.

O grande combate do período entre 1843 e 1850 foi contra o tráfico humano para trabalho escravo na América. Os conservadores no Brasil - país estruturado na escravidão - diziam que sem o trabalho escravo a economia iria falir. Os movimentos contra o tráfico de humanos da África foram motivados por razões econômicas da Europa (principalmente da Inglaterra) que viram no continente africano uma grande fonte de riqueza com a descoberta de ouro, diamante, minério de ferro, carvão e manganês. A manutenção do sistema de comércio de pessoas era inviável para a exploração desses recursos naturais, principalmente por que os mercadores de escravos eram, em geral, chefes e governantes locais que limitavam a entrada do europeu além da costa. Mesmo ainda não tendo sido avistado, é bem forte o cheiro plutoniano desse processo (sim, preciso escrever sobre os tempos de encontro entre Urano e Plutão). Apesar da Inglaterra estar tentando acabar com o tráfico desde 1807, é durante os anos de Urano em Áries que o tema ganha a força necessária para que se avance no sentido de romper uma estrutura limitante. No Brasil a Lei Eusébio de Queiroz, que proíbe a entrada de africanos como escravos por aqui, foi aprovada em 4 de setembro de 1850 – a lei “para inglês ver”. A lei que acaba com a escravidão só virá em 1888, com Urano no signo oposto, Libra.

O período de 1927 a 1934 de Urano em Áries é a antessala da 2ª Grande Guerra, onde a ideia de salvar o mundo “higienizando” a raça humana ganha força e cria os movimentos nazifascistas na Europa, depois de toda uma revolução comportamental e econômica pós Primeira Grande Guerra de Urano em Peixes. Jung tentou mostrar que a antiga imagem de Wotan (Odin) – antigo deus da sabedoria, da guerra e da morte, pai de todos, da mitologia germânica – havia sido reativado no movimento nacional-socialista alemão. Mas não só na Alemanha. Também é nessa época que Trotsky, a maior oposição de Stalin, é expulso da Rússia e depois morto no México, que a Inglaterra invade a China, que é fundada a Opus Dei, e no Brasil temos o golpe de Estado que instala a ditadura de Getúlio Vargas, o Pai do Povo.
 

Porém, no mesmo período, se generaliza o sufrágio feminino pelo mundo e no Brasil Celina Guimarães Viana, a primeira mulher a votar, consegue votar em si mesma através de uma artimanha jurídica, no Rio Grande do Norte, quebrando a grade “homem-branco-rico” em que se sustentava a vida política e econômica; é descoberta, ”por acaso”, a penicilina, a grande combatente das infecções bacterianas que matava milhares de pessoas; se realiza a primeira viagem transatlântica aérea, ligando os continentes muito mais rapidamente; Chico Xavier encontra com seu guia Emmanuel e inicia um trabalho que, para além de popularizar o espiritismo, traz para a pauta da mídia, da academia e do judiciário a questão da mediunidade e do mundo além túmulo. Ou seja, ao mesmo tempo que fronteiras se fecham e a enorme Sombra Humana se agiganta, as pessoas começam a ganhar novas significações simbólicas através de realizações individuais que avançam no sentido de uma redenção coletiva, que supera os limites regionais e que podem ser usadas para uma outra forma de expressão. Segundo Jung, a função criadora da dinâmica psíquica formadora de símbolos sempre se manifesta na pessoa individual: somente no indivíduo as novas ideias, as inspirações artísticas e fantasias construtivas podem ser criadas. Sendo assim, enquanto a constelação mórbida de um arquétipo estiver tomando conta do coletivo, devemos olhar para as mudanças trazidas por indivíduos para entender a mudança positiva em formação.

Não sou a primeira a falar das semelhanças entre os últimos anos que vivemos e a época que antecedeu a 2ª Grande Guerra, com o crescimento dessa Sombra de intolerância e fanatismos que acompanha o Guerreiro Revolucionário constelado. Com todas as provocações que os EUA andam fazendo comandado por Donald Trump, é impossível conter a ideia de uma guerra nuclear se armando. Mas algumas histórias que correm paralelas a essas grandes narrativas mundiais falam de uma mudança da atitude unilateral para atitudes novas e mais completas, apontando para uma humanidade integrada e que seria a realização do divino anthropos, imagem alquímica do ouro e que Jung utilizava para representar o arquétipo final do processo de individuação. Segundo Marie-Louise von Franz – C.G.Jung, Seu Mito em Nossa Época, ed. Cultrix – o anthropos é ’‘visto como uma ‘alma grupal’ da humanidade, (...), uma imagem do vínculo que une todos os homens, ou do Eros inter-humano’‘. Esse talvez seja o arquétipo que todos os transaturninos estejam conectados, e as desestruturações que causam seriam, então, uma maneira de nos fazer avançar nesse sentido.

Existem vários movimentos de coletivos marginalizados que agregam novos discursos nesse período reivindicando essa integração humanitária, como o movimento Queer, que fala de uma não definição de gênero para os seres humanos ou o movimento feminista, que passa a apontar a importância da solidariedade feminina para o combate ao machismo, rompendo corajosamente a estrutura social aprisionante. Pensando em um personagem que possa estar trazendo essa nova criação do anthropos na trama em que vivemos, chama a minha atenção Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, 266º Papa da Igreja Católica, primeiro Latino-Americano e primeiro jesuíta a ocupar o trono de Pedro. É também o primeiro Papa a usar o nome Francisco. A biografia de Jorge Mario Bergoglio é bem corriqueira dentro da estrutura da Igreja Católica, nem progressista nem conservador, recebendo elogios e críticas de ambos os lados. Subiu ao trono de Pedro em março de 2013, depois da renúncia de seu antecessor, Bento XVI, que, com a desculpa de estar com idade muito avançada para o cargo, se retira em meio a graves acusações de pedofilia dentro da Igreja e, segundo o diretor da École Pratique des Hautes Études de Paris, Philippe Portier, por conta da "descoberta de um informe elaborado por um grupo de cardeais que revelava os abismos nada espirituais nos quais a Igreja Católica havia caído: corrupção, finanças obscuras, guerras fratricidas pelo poder, roubo massivo de documentos secretos, luta entre facções, lavagem de dinheiro. O Vaticano era um ninho de hienas enlouquecidas, um pugilato sem limites nem moral alguma onde a cúria faminta de poder fomentava delações, traições, artimanhas e operações de inteligência para manter suas prerrogativas e privilégios a frente das instituições religiosas" (Carta Maior, 14 de março de 2013 – A História Secreta da Renúncia de Bento XVI). As primeiras ações do novo Papa foi a condenação e expulsão da Igreja dos padres acusados de pedofilia e começar a mexer num dos maiores vespeiros da Igreja, o IOR, o Instituto para as Obras de Religião, famoso banco do Vaticano, uma instituição financeira que durante o século 20 foi o epicentro de inúmeros escândalos, entre lavagem de dinheiro, evasões de divisas, cobertura de políticos corruptos, fraudes tributárias, ligações com a máfia italiana e com outros grupos criminosos internacionais. O Papa que anteriormente havia sido entronado com a promessa de mexer no IOR foi João Paulo I, “morrido” aos 33 dias de empossado. Em junho de 2013 o recém-eleito papa Francisco criou de surpresa a Comissão Pontifícia para o IOR, com o objetivo de controlar e reformar a instituição financeira vaticana. Menos de seis meses depois o pontífice substituiu quatro dos cinco membros da comissão de cardeais por suspeita de corrupção, exonerando entre outros o atual arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, e Tarcisio Bertone, que presidia o grupo e que teria que responder a processo por ter usado dinheiro destinado a um hospital infantil para a reforma da sua luxuosa cobertura de 400 metros quadrados ao lado do Vaticano. Aqui temos o tradicional início de uma estrutura heroica, onde o personagem sai da esfera comum em que vivia para atender, de forma relutante, o chamado heroico de enfrentamento do Dragão que outros falharam em derrotar. O herói é exatamente aquele que combate a sombra coletiva, que no caso de Urano em Áries se apresenta como o guerreiro que quer salvar os seus e destruir o outro. No seu agir individual o herói traz algo que não havia antes, e ele vence - esperamos até o último capítulo da história - o dragão que leva o coletivo para a guerra.

Mas não é apenas as estruturas corruptas mundanas do Vaticano que o Papa Francisco vai enfrentar. Logo depois de sua posse é publicada a encíclica Lumen fidei, segundo Francisco idealizada e grandemente já redigida pelo seu predecessor, mas assinada por ele, que aborda uma das questões mais espinhosas da teologia católica, que é a fé em um deus encarnado em ser humano. Eugenio Scalfari, ateu, jornalista e fundador do jornal italiano La Repubblica, publica no jornal de 07-07-2013 um artigo direcionado ao Papa, baseando-se nessa encíclica, pois, segundo ele, "o assunto é importante porque toca o ponto central da doutrina cristã: o que é a fé, de onde ela provém, como ela é vivida pelos crentes, quais reações ela suscita em quem não é cristão, como ela explica a existência da raça humana e como responde a perguntas que cada um de nós se faz e às quais, na maioria das vezes, não encontra resposta: quem somos, de onde viemos, para onde vamos. Esse é o tema da encíclica, e quase todos os papas o enfrentaram durante o seu pontificado, especialmente a partir do século XIX, isto é, quando a modernidade reavaliou a razão e colocou em discussão o conceito de "absoluto", começando pela verdade. Existe uma única verdade ou tantas quantas os indivíduos e a sua mente racional configurarem? ". Todo o artigo é muito interessante e coloca ótimas questões comparando várias religiões de teologias diferentes. Termina perguntando diretamente ao Papa, "enfim, uma palavra que diz respeito aos judeus e ao seu Deus, que também é o Deus cristão sob outros despojos: esse Deus não havia prometido a Abraão prosperidade e felicidade para o seu povo? Mas durou muito pouco essa prosperidade. Eles foram escravizados pelos egípcios, depois pelos assírios e pelos babilônios, depois, quase sem intervalo, pelos romanos, depois a diáspora, depois as perseguições, por fim o Holocausto. O Deus de Abraão, portanto, não manteve a sua palavra. Qual é a resposta, reverendíssimo Papa Francisco? "

A resposta papal foi publicada em La Repubblica em setembro do mesmo ano, e diz que "chegou o tempo (...) de um diálogo aberto e sem preconceitos, que reabra as portas para um encontro sério e fecundo. " Me contenho aqui para não ficar analisando o conteúdo desse diálogo, mas recomendo a leitura das cartas trocadas entre os dois para pensar a respeito desse paradoxo entre a luz divina e a luz da razão nos dias de hoje. Essa possibilidade de buscar pontes e pensar junto com o Outro, que consegue ver no questionamento um "convite (...) para fazermos um pedaço de estrada juntos ", é o diferencial que instrumentaliza o Papa para a batalha. Esse foi o início de uma série de colocações da autoridade papal que atinge pontos antes irredutíveis daqueles que professam essa fé e que serviam para exclusão de fiéis não adaptados aos cânones, como os separados, homossexuais, agnósticos, etc. Não, o Papa não é a favor do casamento gay ou da consagração sacerdotal de mulheres, pois ele não é um Guerreiro Revolucionário em combate. Mas tem feito várias declarações para que se pare de usar a condenação aos infernos, grande arma dos religiosos para manter os fieis na linha, e se enfatize o amor divino que dá preferência aos pobres e ao auxílio dos mais necessitados para aproximar a hierarquia eclesiástica do povo de deus. Achei particularmente interessante o episódio onde o Papa responde para um menino de uns 8 anos chamado Emanuel, que, muito nervoso, queria saber se o pai dele, que havia morrido havia pouco tempo, iria para o inferno por ser ateu. Diz o Papa que Deus, sendo Pai, não abandonaria um homem bom, que foi capaz de batizar seus filhos mesmo sem crer, e que deu ao menino a coragem para se expor, se emocionar e dar testemunho da bondade do seu pai em frente a tantas pessoas por amor a esse pai. Isso significa colocar todo o peso na consciência individual em detrimento das regras. Jung dizia que essa era a premissa para não se deixar engolir pela projeção coletiva de um arquétipo constelado, pois a luz da consciência do ego, que cria valores subjetivos capazes de guiar-nos para um futuro pessoal, é quem pode fazer o esforço moral necessário para que as dúvidas como do jovem Emanuel venham questionar os fanatismos e certezas que nos torna "bons" em luta contra os "maus". Essa é a maneira como podemos nos proteger da sombra coletiva que aparece com Urano em Aries, pois toda vez que duvidamos e encaramos o desconforto de não estar de acordo com o coletivo estamos usando nossa pequena consciência de ego para não mergulhar no arquétipo ou não deixar que ele nos comande. Vale a pena continuar observando os movimentos desse Papa Francisco, que tem sua Lua em Aquário sendo regida pelo Urano em Touro de sua volta anterior, para ver como repercute seus movimentos dentro da sua religião e fora dela.

Para fechar deixo aqui uma entrevista da Linn da Quebrada onde ela fala sobre sua caminhada e dos novos corpos políticos que surgem como necessidade nesses tempos em que vivemos. Essa entrevista apareceu para mim exatamente quando estava terminando de escrever essa postagem e traduz muito bem a ideia de como se cria mudança através do estranhamento, do não se encaixar, de se perceber como algo que ainda não é nominado e que portanto precisa ser inventado. Aquilo que vivemos em solidão precisa vir para o mundo para criarmos novas formas de nos conectar e tirar outras pessoas da solidão




quarta-feira, 11 de abril de 2018

Quiquié Quincúncio


Eu sempre gostei de trabalhar o Quincúncio no Mapa Natal e agora preparando a oficina dos Conflitos Astrológicos as pessoas estão trazendo muitos Quincúncios como fonte de dificuldades na vida, então aqui vai um pouco desse aspecto que rende tantas histórias.

Na geometria astrológica, Quincúncio (ou quincunce ou quincôncio) é um aspecto de 150° entre dois elementos no círculo astrológico, ou seja, 30° antes ou depois da oposição.

Este é um dos chamados aspectos menores na astrologia pitagórica, mas que é muito característico na criação de padrões de personalidade. Na prática, esse é um aspecto que costuma ser acompanhado por bastante compulsão e irritação. Se “o zodíaco é o ciclo harmonioso da Totalidade”, como dizia Dane Rudhyar, o Quincúncio é aquele vizinho que coloca música alta quando você está tentando meditar e acaba com sua disposição harmônica. Mas assim que você desiste da meditação ele desliga a música e aparece na sua porta com pãezinhos de queijo quentinhos que acabou de fazer. Como não odiar e amar ao mesmo tempo esse horrível vizinho querido? Pois o Quincúncio faz isso na nossa vida.

Se pensarmos que o Quincúncio está no meio do caminho entre a oposição (distância de 180°) e o trígono (distância de 120°), podemos entender melhor essa mistura de atração e repulsão ao mesmo tempo. Quando vivenciamos um trígono as coisas fluem, a troca é fácil e os movimentos se apoiam construindo juntos uma ação com sentido. Usando a imagem dos vizinhos, são aqueles vizinhos que quando um faz pão de queijo, outro faz bolo de fubá e alguém ainda aparece com uma garrafa de café pra acompanhar (ou se for aqui no Sul, com a cuia de mate). Em geral a gente nem se dá conta de como isso é harmonioso e bacana, pois facilmente entra na rotina e a gente pensa que todos os vizinhos são assim, e a vida tem esse ritmo. Já a oposição é aquele vizinho que parece ser o seu contrário: um é noturno e outro é diurno, um é recluso e solitário enquanto o outro é social e participativo. Mas um pensa no outro quando gostaria de acordar mais cedo para caminhar ou quando precisaria ficar até mais tarde para aproveitar melhor uma festa, e assim, um sabe que poderia aprender mais com o outro. É bem comum que esses vizinhos se casem, e aí um cuida da parte social noturna e a outra da parte interna diurna. Claro que isso também traz muitos problemas, principalmente quando um quer a participação do outro, seja na caminhada matinal, seja na festa de noite. Aí precisam sentar e ter a tal discussão sobre a relação muitas vezes, até um aprender a desenvolver as qualidades do outro, ao menos em certo grau. Ou não... mas aí é outra história, sem final feliz. Às vezes vira história sem fim.

Uma maneira boa de entender a lógica dos aspectos no mapa é pensando nos signos. Algumas vezes, quando os planetas ou pontos em aspecto estão muito no começo ou no fim do signo, esse modelo precisa ser “adaptado”, mas então você pode fazer esse raciocínio através das casas envolvidas. O que vou fazer aqui é uma brincadeira caricatural, “a la” meme de Facebook (que eu adoro), então, porfavorporfavorporfavor, use essa postagem para pensar a respeito, não para encontrar uma verdade universal. E vamos cantar, pois é Páscoa!

Um trígono de Fogo pode cantar assim:
Áries: Vamos fugir (tiubialow)
Leão: Desse lugar, baby
Sagitário: Tô cansado de esperar, que você me carregue...
E seguem todos Reggaeando pelo tobogã de infinitas possibilidades futuras

Áries faz Quincúncio com Virgem e com Escorpião, então no que Áries canta “vamos fugir”, antes mesmo do tiubialow (give me your love), Virgem pergunta: “fugir pra onde, menin@? Como é que você vai se sustentar? E vai deixar seu cachorro com quem? Ou vai levar o bicho nessa fuga maluca?”. E Escorpião vai dar toda a razão para Virgem e perguntar: “Tá fugindo do que? Não vai adiantar nada, que seus medos seguem com você” E o que era uma música bacana pra cantar no carro vira uma questão. Ou o que era uma viajem pra Jamaica vira um rolê na Praia do Rosa.  Tanto Virgem quanto Escorpião admiram a capacidade ariana de ação e de se arriscar em novas possibilidades, mas também sabem que a ação pela ação simplesmente pode trazer mais problemas que aventuras bacanas. Por mais irritado que Áries fique com esse questionamento, se ele tiver um pouco de discernimento (ou experiencia de vida suficiente), vai poder perceber a importância dessas questões para que ele possa seguir seu caminho em liberdade sem ter que voltar para arrumar as coisas que ele deixou pendente. Bacanamente irritante, não? Mas a Praia do Rosa é maravilhosa.

Leão tá lá em seu lugar, baby, aprendendo a brilhar e transformar sua luz em novas criações, até que aparecem Capricórnio e Peixes pra fazer Quincúncio com ele. Capricórnio vai logo perguntar “o que vamos fazer desse lugar? Tudo muito ensolarado, muito brilhante, mas precisamos fazer planos práticos para utilizar esse espaço de modo a construir algo, que sem estrutura esse lugar não serve para nada.” E Peixes arremata: “você já pensou nos outros seres desse lugar? E todos os outros lugares que sustentam esse lugar? Não seria melhor dissolver essa sua individualidade para que todos pudessem brilhar juntos?” E Leão, tão preocupado em se tornar algo maior e melhor para ocupar com brilho seu lugar vai ficar bem incomodado de ter que se preocupar com essas coisas que não lhe diz respeito. Tanto Peixes quanto Capricórnio em geral admiram a capacidade Ludmilla de Leão chegar e ocupar seu lugar, mas sabem que de nada vale tanto brilho sem a preocupação em construir algo e distribuir com generosidade isso, senão essa busca de autoconhecimento e expressão pessoal se transforma em narcisismo patológico. Essa é a chance preciosa do leonino sair do “ninguém me entende” para o desenvolvimento de seu maior dom, que é a generosidade.

E Sagitário, cansado de esperar que você me carregue, vai ouvir de Câncer: “Tá cansado de me esperar, é? Mas quando é para ter aconchego, receber bem seus amigos, preparar o ambiente pra você dar seu show, aí tudo bem eu fazer tudo com capricho e cuidado, né?” No que Touro complementa: “e pode sentar para esperar, que não vou te carregar mesmo! Se você quiser, que leve seu próprio lençol limpinho e cheiroso, sua própria água potável, seu próprio travesseiro confortável, ou pague o preço para alguém carregar isso para você, e já te aviso que o preço é alto.” Mesmo gostando muito do entusiasmo e fé contagiante sagitariano, Câncer e Touro vão se preocupar com o lugar onde se vai repousar depois da grande viagem e como garantir ao menos um banheiro limpo e um banho quente depois de caminhar na chuva. As necessidades e cuidados tanto de Touro quanto de Câncer ensinam Sagitário a viajar equipado, o que com certeza faz a viagem mais agradável e garante abrigo em roubadas que ele acaba se metendo. O prazer contagiante e otimista sagitariano de ir além do horizonte dá, tanto para a Terra Fixa quanto para a Água Cardinal, coragem para correr mais riscos. Mas tem que ter muita DR interna antes desse crescimento potencial.

Não vou poder postar a música para todos os elementos e ficar brincando com os Quincúncios, sinto. O trabalho detalhado que faço com os mapas da Oficina mais os acontecimentos históricos do país não estão me deixando muito tempo. Mas acho que já dá para vocês terem uma ideia e brincarem por conta própria. Avante, sin perder el humor jamás.