quinta-feira, 30 de abril de 2015

Plutão Retrógrado em Capricórnio


“Inventar uma vida é a tarefa mais fascinante de um humano, exatamente pelo tanto de improvável e de absurdo que contem. É, como sabemos, nossa primeira ficção. E a empreendemos nus e com tão pouco.”

Eliane Brum


Plutão estará em movimento retrógrado até novembro, e isso significa uma ótima oportunidade para se pensar como as vivências externas e coletivas têm ativado processos e construções - ou desconstruções – internas. 

Com essa quadratura entre Urano em Aries e Plutão em Capricórnio que andamos vivendo nos últimos anos, uma pausa para se entender no meio de tudo isso é sempre bem vinda. Quando o mais lento dos planetas resolve dar uma olhada para traz saindo da sua expressão normal de tempo, podemos ver nossos movimentos dentro de um quadro mais amplo. A ideia é poder estar eliminando o que ainda pesa, limpando o que ainda fede e perceber as mudanças que já se operaram, para assim conseguir avaliar nosso processo de auto regeneração e programar, com ajuda do inconsciente, os próximos passos. Coisa pra gente grande, eu sei...

Essa briga entre mocinhos e bandidos que Urano em Aries vem instigando (capitalistas reacionários x comunistas corruptos é das mais óbvias) tem feito com que a sombra da estrutura capricorniana venha com mais força e a tendência a nos tornarmos fundamentalistas em busca do Poder fica evidente a cada passo, a cada disputa eleitoral, a cada PEC (proposta de emenda à constituição), a cada carteirada de juiz, a cada carro que estaciona sobre ciclovia ou em vaga de cadeirante.

Quando se percebe que olhar as necessidades de transformação internas trazem melhores frutos do que as tentativas de mudar o mundo externo, buscar as muitas coisas que ainda precisam ser feitas em si pode ser bem animado e uma ótima alternativa à depressão. Assim podemos aproveitar melhor também a força sugerida no 16º de Capricórnio pelos símbolos sabeus, onde Plutão está retroagindo: “quadras escolares repletas de jovens em roupas de ginática”. Pelo jeito aqui temos energia suficiente para reavivar vulcões e abalar o Himalaia...

O primeiro passo para isso é aceitar que não existem mocinhos e bandidos, que os capitalistas reacionários são corruptos e os comunistas corruptos são reacionários. E nós somos as duas coisas. Também. Assim como ser patriota é respeitar o povo que elegeu o partido comunista corrupto para o Executivo e os partidos capitalistas reacionários para o Legislativo. Também.  O que quero dizer é que não dá para eliminar o Inimigo, mas se você parar de xingar o Outro e olhá-lo nos olhos, ele pode ajudar você a se transformar no seu melhor potencial. E isso apenas seu Inimigo mais visceral poderá fazer. Com ajuda de Plutão então... Bom, com Plutão você não terá muitas outras opções...

Toda vez que o Outro está 100% errado e você está 100% certo, pode ter certeza de estar lidando com algum tipo de projeção. Isso quer dizer que você pegou uma parte sua que é mais aceita em algum nível (familiar, religioso, social, amoroso, etc.) e achou alguém ou alguma coisa para usar de cabide e pendurar aquilo que em você é oposto à imagem bacana que você tem de você mesmo. Winnicott fala da grande aventura que é a construção da nossa individualidade (individuo = individuus = indivisível).  Nascemos absolutamente dependentes de um adulto que cuide de nossas necessidades e que integre as nossas variadas experiências e percepções em um alguém coerente que poderemos chamar de eu. Uma das estratégias que usamos nessa construção é transformar as contradições e oposições que encontramos em um mesmo lugar em dois lugares diferentes. Assim imaginamos que existe uma mãe boa, que nos alimenta, nos troca, interage conosco e nos dá tudo que queremos e precisamos, e uma mãe má, que não nos alimenta quando temos fome e está fazendo outra coisa que não é cuidar de nós o tempo todo e por isso estamos em sofrimento. A ideia de que a mãe má e a boa são a mesma pessoa é avassaladora para esse ser em formação. Acho que seria mais ou menos como o Batman descobrir que o Coringa na verdade é seu pai e a Mulher Gato sua mãe, sendo eles quem pagam todas as contas do Bruce Wayne e da Bat aventura ao mesmo tempo em que o atormentam nas noites de Gotham City. Não faz sentido nem para o Kubrick. Então nós pequeninos amamos nossa mãe boa e combatemos a mãe má, até conseguirmos nos desenvolver o suficiente para encarar aquilo que foi chamado de Princípio da Realidade, ou seja, que essa história de mocinhos e bandidos, Vingadores vs Ultron é só uma distração de 2 horas em 3D no cinema perto de sua casa.

Os males da sociedade são nossos próprios males, mesmo que coloquemos a culpa nos políticos, no povo ou na mãe (sim, o secretário de segurança pública do RS disse que a culpa do aumento da criminalidade é das mulheres que trabalham fora). Com Plutão retrógrado em Capricórnio é possível entendermos a responsabilidade que temos em nossa construção de identidade, desde que consigamos incorporar nessa construção também os elementos destrutivos e distorcidos. Isso não é fácil, pois estamos acostumados a pensar apenas a partir de sistemas lineares, simples, e onde ainda não amadurecemos o suficiente vamos trabalhar com crenças generalizadoras e sentir a frustração como uma ameaça. Como diz o filósofo David Weinberger no livro To Big for Know: “Usar universais é uma tática simplificadora dentro de nossa estratégia mais abrangente para lidar com um mundo que é grande demais para ser conhecido, reduzindo o conhecimento àquilo que nosso cérebro e nossa tecnologia nos permitem lidar.” Acontece que atualmente e como adultos temos que trabalhar com sistemas complexos, onde o foco não está mais no sujeito ou no objeto, mas na relação, na conexão entre eles. Nem todas as conexões podem ser ótimas, ou seja, podem satisfazer às necessidades ou desejos ideais simultaneamente de modo a nos manter em equilíbrio e com um gasto mínimo de energia. Sistemas complexos só podem ser explicados e compreendidos através da desordem e da frustração.  

No símbolo de Plutão temos o divino isolado da matéria, e isso significa que esse planeta (planetoide, bi-planeta, ugabuga, ou seja lá como os astrônomos queiram chama-lo) traz o desolamento de não entendermos o significado maior de algo que parece muito ruim e muito frustrante, principalmente se quisermos buscar um sentido moral para o que acontece. A grande tentação que Plutão traz é acharmos que somos tão bacanas que se tivéssemos poder faríamos melhor, diferente, e traríamos a paz ao mundo, ou seja, faríamos o sistema entrar em equilíbrio. Principalmente se pudéssemos eliminar algumas dúzias de pessoas do mal. E segundo uma pesquisa que li falando de alguns assuntos polêmicos, eu eliminaria 93% da população. Ops... Pois então: Plutão foi avistado pela primeira vez em Câncer (signo oposto a Capricórnio) na mesma época em que ascendia o Nazismo na Alemanha e ele nos mostra sem anestesia que não adianta sermos bacaninhas na tentativa de negociar uma vida sem problemas com o Destino. As Moiras não aceitam barganhas e cobram caro esse tipo de ignorância.

É preciso abrir mão da ignorância que justificamos chamando de inocência para poder caminhar com Plutão até esses labirintos internos mais sombrios. Precisamos querer ver a verdade. Quando olhamos a nós mesmos com os olhos de Plutão podemos parecer bem mesquinhos e virulentos. Mas se você não olhar para isso com seriedade, essas mesquinharias e virulências vão contaminar o ambiente sem que você perceba, e aí você acaba nesse lugar impotente da vítima sem entender como. Você só estava brincando, né? Pois esse momento de Plutão retrógrado serve para pararmos de tentar esconder esse lado mais sombrio, nossas corrupções e desvios de verbas internos. Para isso teremos ajuda das nossas conexões e relacionamentos que denunciarão isso. Os falsos estados de equilíbrios, aqueles que se mantêm ao custo de não se olhar para as coisas como são ou de se fingir não estar em frustração não têm mais energia para manter-se, e então se rompem, muitas vezes de maneiras bem feias. Ou aparentemente feias, pois têm cara de caos, de desordem. Mas tenha certeza que só a partir disso algo novo vai poder ser criado. Vamos lá: respire e solte... Nós temos uma incrível necessidade de auto superação que aparece quando saímos desse lugar de vítima, e isso é tremendamente importante para podermos construir uma melhor civilização. Essa aproximação que podemos fazer nesse momento entre a nossa vida interior e a exterior são bem importantes. Muitas vezes é através da consciência que adquirimos nesses colapsos que podemos chegar naquele olhar no espelho que diz: “eu te odeio”. Se você conseguir sustentar esse olhar sem sair correndo ou sucumbir a ele, você então poderá passar para a fase criativa, que vem depois que conseguirmos perguntar ao espelho: “por quê?”. Aqui você vai conseguir caminhar por muitas das questões que realmente trazem sofrimento para você a partir de você mesmo. Não tenho como falar ou mostrar a mudança que pode causar na sua vida o encontro das justificativas que o sabotador interno cria para te deixar bem infeliz e assim se manter no controle.

O melhor lugar para se encontrar refúgio nesses momentos de colapso é sem dúvida no corpo físico. Como diz o povo que faz trabalhos corporais, nosso corpo somos nós no sentido mais básico, pois é nossa única realidade perceptível, e é muito importante que não o percebamos como oposto à nossa inteligência, espírito, sentimento, alma ou seja lá com que outra parte escolhemos colocar nossa identidade consciente “bacana”. O corpo sempre nos inclui e dá abrigo e por isso “ter consciência do próprio corpo é ter acesso ao ser inteiro... Pois corpo e espírito, psíquico e físico, até força e fraqueza, representam não a dualidade do ser, mas sua unidade” (Thérèse Bertherat e Carol Bernstein; O Corpo Tem Suas Razões). Que fique bem claro que aqui não estou falando sobre a obsessão de se moldar o corpo segundo um padrão estético de massa aprisionante e sim na consciência de que você e seu corpo, independente da forma que tenha, é você. Citando novamente Bertherat e Bernstein: “Saúde, bem estar, segurança, prazeres, deixamos tudo a cargo dos médicos, patrões, maridos, esposas, amantes, filhos. Confiamos a responsabilidade de nossa vida, de nosso corpo, aos outros, por vezes àqueles que não desejam essa responsabilidade e se sentem esmagados por ela; quase sempre àqueles que pertencem a Instituições cuja primeira finalidade é nos tranquilizar e, portanto, de nos reprimir”. Então, se você se sente em colapso, se seus relacionamento estão gerando frustrações, e você começa a entender que existem mais coisas em você do que você pensava – ou gostaria – respire, solte e vá para seu corpo, onde todas as suas contradições, emoções, crenças, valores, vivências e hábitos tem um lugar e podem mostrar o sistema complexo que você é. Se você escolher conhecer seu corpo em vez de combatê-lo, se as frustrações por ser um ser limitado puderem ser substituído por uma real curiosidade a respeito de si, se você se perguntar o que significa essa barriga, ou essa dor no joelho, ou essa vista cansada em vez de ficar tentando “corrigir” essas coisas, você vai ganhar em primeiro lugar autonomia, pois não precisa mais de algo externo para te dizer como você deve ser ou o que fazer consigo, já que seu corpo vai poder te falar isso. Mas principalmente você vai poder passar a usufruir o estar aqui, nesse momento, nesse corpo, que é só seu e de mais ninguém e que, mesmo com todas as contradições, traumas, dores e dificuldades, ainda dança, canta, sente e dá prazer. Esse livro, O Corpo Tem Suas Razões, é mesmo muito bom para pensar sobre isso: “quando renunciamos à autonomia, abdicamos de nossa soberania individual. Passamos a pertencer aos poderes, aos seres que nos recuperaram. Se reivindicamos tanto a liberdade é porque nos sentimos escravos; e os mais lúcidos reconhecem ser escravos-cúmplices. Mas como poderia ser de outro jeito, se não chegamos a ser donos nem de nossa primeira casa, da casa que é o corpo?”

Tenho percebido ao longo do tempo que esse voltar-se para conhecer e explorar o corpo é a melhor maneira de se tratar as crises ligadas aos transaturninos em geral e Plutão em especial. Acho que a principal razão disso é por que o corpo não mente, por mais enxertos e maquiagens que usemos. Mesmo se pensarmos nos transexuais, que nascem em um corpo de gênero oposto ao que são internamente, esse corpo também abriga quem essa pessoa é, e pode até se deixar moldar. A relação entre esse corpo e essa pessoa também irá criar uma identidade única. E se a relação não for amorosa, dificilmente poderá ter um caminho feliz. Também porque o corpo é o melhor professor para se trabalhar frustração. Diferente do relacionamento com uma outra pessoa, não podemos simplesmente ir embora quando nos frustramos ou nos assustamos conosco mesmos. Podemos deixar nossos corpos – de inúmeras maneiras – mas isso não irá eliminar ou resolver a questão, e geralmente cria mais problemas, que vão nos debilitando mais e mais até o corpo se desligar de vez. Plutão em especial costuma estar ligado a doenças bem debilitantes construídas com a negatividade interna não consciente. Cuidar do corpo nesse contexto não é acreditar na vida eterna do nosso físico ou na eterna juventude vendida como ideal, mas é conseguir estar bem consigo através do corpo. Isso vai integrá-lo em um todo coerente muito mais profundamente do que qualquer coisa externa que se encontre.

Como dizia Eduardo Galeano, de mui saudosa lembrança: “A Igreja diz: o corpo é uma culpa. A Ciência diz: o corpo é uma máquina. A publicidade diz: o corpo é um negócio. E o corpo diz: eu sou uma festa”.