quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

SATURNO


Saturno tem um dia que dura 10 horas e 39 minutos, e demora cerca de 29 anos e meio para dar a volta ao Sol, ficando cerca de 2 anos e meio em cada signo. O regente de Capricórnio tem seu exílio em Câncer, exaltação em Libra, queda em Áries e uma fama muito especial em Astrologia. Ouvi falar de um astrólogo que desconsidera todo o restante do mapa e só interpreta o posicionamento saturnino. Morin de Villefranche (1583-1656), último astrólogo dos reis da França, deixou-nos sua biografia “Minha Vida Perante os Astros”, onde explica várias vezes como os problemas que teve durante a vida foram causados por Saturno, e não pelas ações de moral bem duvidosa dele. Os teosofistas chamavam esse planeta de Senhor do Karma e na Idade Média ele era identificado como Rex Mundi, Senhor do Mundo, vulgarmente conhecido como Diabo. Todos os problemas ou tragédias que poderiam acontecer na vida eram por causa de Saturno, quando se tratava de astrologia. Isso era lei antes de descobrirmos os transaturninos - planetas que vêm depois de Saturno -, Urano, Netuno e Plutão, mas ainda hoje esse é um deus que assusta a maioria das pessoas.
Na mitologia greco-romana Crono-Saturno castra seu pai Urano como um favor à sua mãe Gaia, e, depois de assumir o poder, devora todos os filhos que tem com Reia, sua esposa, por conta de uma profecia que havia dito que ele seria destronado por um deles. Quando Zeus-Júpiter nasce, Reia dá uma pedra enrolada em um pano para Crono engolir e esconde Zeus em um “antro profundo e inacessível”, onde é alimentado pela cabra Amaltéia - a mesma que alimentará Hércules e que está representada na constelação de Capricórnio. O velho Crono fica com indigestão, começa a vomitar tudo, e Zeus aproveita esse momento de vulnerabilidade do pai para liderar uma rebelião com seus irmãos vomitados, atacando, vencendo e banindo Crono para o mundo subterrâneo do Tártaro - que fica abaixo do Hades - e se tornando rei.
Muitas das dificuldades que encontramos com Saturno estão ligadas exatamente ao medo que temos de perder o controle. O velho rei que não larga mão do trono é o princípio patriarcal negativo, ligado no plano psicológico ao tirano interior, que governa por meio das opiniões críticas que tem a respeito da pessoa. Esse tirano decide pela pessoa o que ela deve ser, que tipo de vida deve ter, o que deve pensar, como uma voz rígida, dogmática e crítica que sabe muito melhor que ela mesma qual o tipo de pessoa ela deveria se transformar. Essa voz é poderosa principalmente por que parece ter todas as respostas à vida e fica sempre nos lembrando que não estamos à altura de suas expectativas. Pode ser um verdadeiro inferno a vida sob esse jugo. Medo e ambição são as duas armas poderosas que esse Saturno-Tirano costuma usar para conseguir seu objetivo, que não é atrapalhar sua vida, eu posso garantir, apesar de que isso pode muito bem fazer parte do processo.
Saturno está relacionado com limite e estruturação. Na Astrologia Médica está ligado aos ossos. Muitos dos processos saturninos são experimentados como dor, restrição e disciplina, mas o que realmente está em jogo aqui é como se pode aumentar a consciência e nosso desempenho no mundo através dessas experiências dolorosas. A psicologia junguiana diz que no interior da psique existe um impulso em direção à unidade e à integridade, cujo estado final de unidade é chamado de arquétipo do Eu (que é o Deus Interior, ou Eu Superior, ou o nome de sua preferência), que está por trás de todos os simbolismos religiosos e mitológicos de todos os tempos. Esse arquétipo não se liga à perfeição que elimina os aspectos “maus” da natureza humana, ficando só com os “bons”, mas sugere uma integridade onde todos os aspectos da vida tem seu lugar e está contido no todo harmoniosamente. O processo psíquico que Saturno simboliza tem a ver com a realização dessa experiência interior de integração psíquica do indivíduo, pois ele está relacionado com o valor educativo da dor e com a diferenciação entre valores exteriores - aqueles que adquirimos dos outros - e os interiores - que trabalhamos para descobrir dentro de nós mesmos.
Pelo signo e casa que ocupa, Saturno indica aquela área da vida na qual é provável que nos sintamos frustrados em nossa auto-expressão, onde provavelmente sofremos decepções e enfrentamos dificuldades, e geralmente temos a impressão de que essas circunstâncias dolorosas nada têm a ver com qualquer fraqueza ou imperfeição nossa, pois elas simplesmente “acontecem”. É por isso que esse planeta acabou recebendo o título de “Senhor do Karma”, governando a área onde fizemos alguma bobagem na outra vida e agora estamos aqui pagando por isso. Ensinamentos mais antigos, porém, o colocam como “Habitante do Umbral”, o guardião das chaves do portão, e que somente através dele é que poderemos alcançar a libertação gerada pela auto compreensão. Não importa se usamos terminologias psicológicas ou esotéricas, o fato básico continua o mesmo: os seres humanos só conquistam o livre-arbítrio através do autoconhecimento e só procuram o autoconhecimento quando as coisas se tornam tão dolorosas a ponto de não haver outra escolha. Todos já experimentaram os repetidos obstáculos, desapontamentos e temores que coincidem com alguma influência saturnina; todavia, além da costumeira recomendação de paciência e autocontrole, não há respostas simples quando se pergunta qual o significado dessas experiências e como elas podem ser usadas como oportunidade de crescimento. Nietzsche, em um dos aforismos de Além do Bem e do Mal, diz: “Se ele por tanto tempo, mal ousou perguntar: ‘por que tão à parte? Tão só? Renunciando a tudo o que eu venerava? Renunciando à própria veneração? Por que essa dureza, essa premonição, esse ódio a minhas próprias virtudes?’ - agora ele ousa e pergunta em voz alta e já ouve também algo como resposta. ‘Deveis tornar-te senhor sobre ti, senhor também sobre tuas virtudes. Antes eram elas teus senhores; mas só podem ser teus instrumentos ao lado de outros instrumentos. Devias obter poder sobre teus prós e contras e aprender a entendê-los”. Esse é o melhor resumo do processo de Saturno que já encontrei.
Com Saturno descobrimos que cada obstáculo, desapontamento e temor pode ser utilizado como meio para que, através dessas experiências pessoais, aprendamos a perceber o significado de nossas próprias vidas. Esse planeta nos mostra que simplesmente desejar transformar um problema ou apenas compreendê-lo superficialmente não fará o problema desaparecer, principalmente se não for um problema, mas uma tentativa da psique interior de estabelecer o equilíbrio ou integrar alguma parte negada pela consciência. A verdadeira dor começa quando as idéias conscientes a respeito do que é correto ou apropriado, que criaram uma imagem idealizada que gera segurança, entram em conflito com o caminho seguido inconscientemente, pois isso constitui a torturante dor interior de um sentimento de futilidade e de ausência de propósito. Muitas pessoas em luta consigo mesmas no último momento continuam a destruir os sonhos antes que eles floresçam, a despeito de tudo que acreditam querer da vida. Se olhada mais de perto, essa destrutividade associa-se freqüentemente com culpa e medo, que são duas emoções bem saturninas. Geralmente, por trás desses sentimentos, existe um caminho mais sábio, responsável e significativo do que o escolhido conscientemente, mas tudo que se pode ver é a destrutividade. Nesse sentido Saturno pode se tornar um amigo, desde que você consiga perceber que o que ele está querendo é que seu caminho seja mais verdadeiro e responsável, e não existe nenhum método rápido e fácil para isso. A alquimia, sob muitos aspectos, se dedicava a essa finalidade; o material básico da alquimia, o chumbo que seria transformado e no qual jazia a possibilidade de se criar ouro, era chamado Saturno, e era considerado o próprio alquimista. Parece que, se formos perseverantes, será possível extrair ouro de tudo isso, e um ouro especial, único como cada um que o encontra.

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