domingo, 7 de abril de 2013

Planetas Retrógrados



"O livre-arbítrio é a capacidade de fazer com alegria aquilo que devo fazer"

C. G. Jung




Resolvi falar sobre os Planetas Retrógrados porque tenho encontrado gente justificando seus problemas na vida por conta desse aparente “movimento para trás”, que faz parte da nossa visão do Cosmos. Sim, é verdade que os retrógrados dão mais trabalho para serem conscientemente assimilados, mas o que significa isso na prática? Eu saio do pressuposto que ser quem se é não pode ser um problema, e o mapa ajuda a se entender como a pessoa funciona. Não pretendo levar em conta as questões ligadas a Karma ou outras vidas ou outras dimensões, pois essa não é a minha praia. Como a grande maioria das pessoas possui ao menos um planeta retrógrado no mapa, o que me interessa é entender como as pessoas usam essa ferramenta para se expressar.

A dificuldade central dos planetas retrógrados é que eles trabalham fora da nossa linha de tempo linear passado-presente-futuro, e por isso as áreas em que atuam precisam ser encaradas também diferentemente. De maneira bem simplificada, quando aqui da Terra vemos um planeta andar para trás, projetamos sua ação no futuro e agimos de acordo com essa projeção, e, portanto, teremos que rever os acontecimentos dessa área para poder seguir e continuar agindo. Na prática isso significa que se ligarmos o automático nas áreas em que temos planetas retrógrados teremos dificuldades ao ver que muito do que cremos e a maneira como agimos não se encaixam naquilo que estamos vivendo no presente, o que nos faz repetir situações bem desconfortáveis e duvidosas. A natureza desses desconfortos e confusões irá variar muito conforme as características do planeta, do signo e da casa em que o movimento retrógrado acontece.

Vamos pegar um exemplo cheio de dificuldades: um Marte Retrógrado em Touro e na casa XII. Marte, por sua natureza expansiva, vai se sentir muito bem na sua projeção de futuro, pois esse é um planeta que busca ação e no futuro tudo pode acontecer, mas tanto Touro quanto a casa XII têm uma natureza mais passiva, segurando essas ações e fazendo com que elas não sejam tão imediatas quanto Marte geralmente é. Em um segundo momento, quando esse Marte colocar a mão na massa e agir, ele terá ideias muito férteis a respeito do que quer, pois de alguma maneira já viveu aquilo, mas depois terá que recuar um tanto para analisar as consequências de seus atos. Um tanto cansativo, eu reconheço, mas conforme a pessoa se habitua ao próprio modo de agir marciano, ela será capaz de atuar conscientemente e aproveitar para realmente conseguir o que quer. Em um exemplo como esse a pessoa vai se sentir mais confortável na hora de realmente agir, confirmando suas visões de futuro, mas ela tem que passar pelo desconforto de ver o futuro e não agir anterior e pela revisão de suas ações posteriormente. Os problemas, dores e dificuldades aparecem quando se busca estar apenas no lugar de conforto, onde esse retrógrado cria situações mais harmoniosas com a casa e o signo em que se encontra. Por isso, ao analisar um planeta retrógrado, precisamos entender em qual fase a pessoa costuma parar, para então entender todo o processo e buscar maneiras de se restabelecer o fluxo.

Os planetas que costumam nos dar mais trabalho são os pessoais, Mercúrio, Vênus e Marte, já que eles estão diretamente ligados à identidade que criamos. Júpiter já é um planeta que nos ajuda a antever os benefícios que teremos com a expansão de nossos horizontes, e os problemas com seu movimento retrógrado são os costumeiros excessos e otimismo exagerado. Saturno retrógrado também não traz tantos problemas, já que ele por si mesmo nos faz andar com mais cuidado e consciência. Os transaturninos, como são geracionais e nos mostram movimentos coletivos, quando estão em movimentos retrógrados trazem a possibilidade de a pessoa entender como ações coletivas atuam em sua vida pessoal, o que, idealmente, pode ajudar muito na hora de escolher um caminho ideológico, espiritual ou filosófico. Com Urano, Netuno e/ou Plutão retrógrados, a pessoa terá que ver como o coletivo atua em seu ser antes de aderir mais profundamente. Esse é um ótimo antídoto para as cegueiras coletivas.

Vamos cuidar, então, dos planetas pessoais retrógrados.

Mercúrio atua na maneira de nos comunicarmos, na forma como transmitimos aos outros aquilo que vivemos e compreendemos interiormente e também como captamos as ideias que o mundo nos apresenta. Esse planeta nos traz a gama de curiosidades que temos tanto a nosso próprio respeito quanto a respeito do mundo, o que pode variar desde a roupa que a pop star usou em seu show, às maravilhas da cura pelo limão, até as palavras em sânscrito de algum mantra aprendido ou as delícias de se decifrar um filósofo mais erudito. Quando Mercúrio está retrógrado, a comunicação pode ser bem confusa e o aprendizado intelectual sofrer alguns contratempos, pois é bem complicado para a mente se manter apenas no presente e estabelecer uma relação de reciprocidade com os que estão ao seu redor. Isso não quer dizer um mau rendimento escolar, mas sim uma necessidade de resolver as questões não compreendidas antes de passar para frente, o que pode criar alguns conflitos com professores ou colegas que acham que o conhecimento dado foi suficiente. Ao mesmo tempo esse Mercúrio trará muitos insights que dificilmente poderão ser explicados através de uma lógica linear ou aparente, o que pode ser bem interessante para o portador desse planeta retrógrado, mas não ajuda na hora que se tenta explicar algo para outra pessoa. Martin Shulman comenta que existem muitos talentos musicais com Mercúrio Retrógrado, e isso, provavelmente, conecta as dificuldades da comunicação verbal com a busca de uma maneira mais sutil de comunicação. Eu, particularmente, encontro muitos bailarinos contemporâneos com esse Mercúrio. Dificuldades de comunicação isola a pessoa, e é comum encontrarmos nervosismo e irritação quando se tem que lidar com isso. É como viajar para Praga, na Republica Checa, sozinho e sabendo se comunicar apenas em português, por exemplo. A pessoa vai ter que desenvolver sua capacidade de fazer mímica e buscar palavras em comum nas duas línguas, além de outras palavras de outros idiomas que conheça se quiser sobreviver em um país onde se fala Checo. Se ficar por ali tempo suficiente vai conseguir aprender a nova língua e se comunicar de maneira satisfatória. Ou pode se tornar um ótimo mímico.

Enquanto Mercúrio tem como motivação a curiosidade, a força motriz de Vênus é o prazer, seja ele estético, afetivo ou físico. É através desse planeta que harmonizamos o que vivemos internamente como valores pessoais e aquilo que encontramos exteriormente no mundo. Onde encontramos com Vênus somos naturalmente receptivos ao mundo externo para aproveitar o que há de bom na vida, e por isso temos a capacidade de transformar aquilo que encontramos em algo mais belo, e, portanto, mais prazeroso. Acredito que seja fácil imaginar uma pessoa se decepcionando com o prazer e alegria que consegue da vida futura levando em conta apenas uma satisfação do passado vivida em situações diferentes. História didática exemplar: era uma vez uma menina de 4 anos que um dia resolveu se arrumar toda com as roupas da mãe para esperar o pai. Naquele dia seu pai chegou especialmente bem humorado e com tempo e vendo sua pequena filha divertidamente fantasiada, com a cumplicidade da mãe, entra na brincadeira e fala como ela está linda e lhe dá um grande abraço e um beijo cheio de ternura. A pequena criatura pega esse momento de alegria familiar e a projeta no futuro, e então, muuuuuuuuuuuitos anos depois, toda vez que essa sua alegria e prazer não acontecem em seus relacionamentos amorosos adultos ela se sente não amada, ou rejeitada, ou então rejeitará o parceiro dando demasiada ênfase àquilo que ele não é, ou seja, seu pai em um momento particularmente amoroso e tranquilo. Esse momento mágico da infância nunca mais será repetido, mesmo porque quando somos pequenos nossos pais são tudo que existe de importante na vida e quando crescemos o mundo fica – ou deveria ficar – bem maior. A capacidade de nossos valores e prazeres se ampliarem conforme crescemos é um dos atributos principais que temos que cultivar em nossa Vênus para seguir pela vida com alegria em estar vivo. Isso não significa descartar valores antigos, mas aperfeiçoá-los e ampliá-los conforme nossas necessidades e consciência se transformam, agradecendo os momentos felizes do passado e seguindo em busca de novos prazeres. Qualquer tensão que Vênus sofra (que pode ser desde uma conjunção com Saturno ou Urano até uma quadratura ou oposição) costumam trazer problemas para que esse processo seja feito dessa maneira “bonitinha”. A particularidade da Vênus retrógrada é a insistência que ela costuma apresentar em pré-programar, muitas vezes inconscientemente, seus relacionamentos para que eles se encaixem nos padrões passados. A dor que isso causa não vêm necessariamente da busca por um ideal irrealizável de amor ou beleza, mas pela falta de noção real a respeito do que traria prazer e alegria para sua vida atual. É comum pessoas com Vênus retrógradas manterem casamentos longos, mas insatisfatórios. A insatisfação muitas vezes não é por conta de não gostarem da parceria, mas por não saberem o que fazer com aquilo que não encaixa em seu passado.

Marte é o planeta da energia vital direcionada para fora, que nos impulsiona para o mundo na busca por expressão e satisfação pessoal. Qualquer coisa que limite os movimentos marcianos costuma ser sentido como algo que impede a pessoa de conquistar aquilo que quer, e quando retrógrado isso aparece como uma inadequação temporal, ou seja a pessoa age imaginando um futuro e depois percebe que se precipitou e que precisa aprender a ajustar a quantidade de energia que disponibiliza para conseguir o que quer. Muitas vezes a pessoa também não se sente com forças para romper situações que o aborrecem, e quando questionada do porque em geral traz uma série de razões sem sentido. Esse é um planeta com energia intuitiva e instintiva, portanto não é nossa face mais dada a reflexões. O sentimento de que suas realizações pessoais não são satisfatórias parece acompanhar esse Marte retrógrado. Por isso quem tem que agir através dele vai precisar aprender a andar em zig zag e descobrir que isso não tem nada a ver com seu entorno e com as pessoas que se acredite terem que contribuir com suas ações. O Marte retrógrado vai realmente deslumbrar grandes ações futuras, mas toda vez que agir nesse sentido terá que voltar atrás para avaliar os efeitos de sua ação antes de dar outro passo para poder adequar-se à sua realidade atual. Quando a projeção no futuro se mostrar exagerada, a sensação de rejeição vai obrigar a um recuo, e é importante que a pessoa pense nisso como uma necessidade de reavaliação, e assim possa experimentar a possibilidade de estar no presente para criar esse futuro desejado em vez de culpar as pessoas ou o mundo por sua insatisfação. Independente do posicionamento ou condição de nosso Marte, uma das coisas mais importantes no processo de amadurecimento e crescimento de nossa personalidade consiste exatamente no aprendizado que temos que fazer de focar nossa energia marciana para aquilo que realmente queremos, no sentido mais profundo desse querer. Quem tem um Marte retrógrado aprende a fazer isso mais cedo. 

terça-feira, 19 de março de 2013

Palestra em Floripa


Dia 25 de março estarei fazendo uma palestra aberta no espaço Reverbera em troca de 1kg de alimentos não perecíveis para doação, aqui em Florianópolis. A ideia que tenho é de combinar astronomia e astrologia para poder entender melhor o que é mapa astral.

Aproveitando o início de um novo ciclo do Sol em volta do zodíaco, vamos formar também uma turma para estudar astrologia mais profundamente durante o ano no Reverbera. As aulas começarão dia 14/4, e nossos encontros serão mensais, um domingo inteiro por mês, até novembro. 

Estão todos convidados.

O Reverbera fica na Rua Clodorico Moreira, 43, em Santa Mônica, ao lado do Shopping Iguatemi, e o telefone de lá é 48 3365 5606

segunda-feira, 4 de março de 2013

Urano e a Construção do Indivíduo Moderno


“Somos um olho por meio do qual o mundo exterior se faz visível, mas um olho que não pode ver-se a si mesmo quando vê”

Rüdiger Safranski



Tive uma série de problemas no mundo virtual que andaram me impedindo de escrever aqui. Aproveitei para estudar um pouco de filosofia do século 18 para ver se conseguia entender umas coisas que Urano estava me fazendo pensar, agora que ele transita por Áries e começa um novo ciclo zodiacal. Com o blog se reabrindo de novo pra mim (obrigada Rui Alão!!), volto o compartilhar o que andei pensando com vocês.

Durante o século 16 o mundo começa a se transformar em algo completamente diferente daquilo que era até então. Copérnico deixa para nós, após sua morte em 1543, “Das Revoluções das Esferas Terrestres”, tirando a Terra do centro do Universo e a colocando na terceira órbita em volta do Sol. Lutero se rebela contra as indulgências da Igreja Católica e publica sua tradução da Bíblia para o alemão vulgar em 1534, tirando da Igreja o monopólio sobre as interpretações da vontade de Deus e da essência da Vida.

Com o Ser Humano mandado para um canto do Universo e os guardiões da metafísica destituídos de seu poder, a teologia deixa de ser a base necessária para o conhecimento, e se inicia uma busca empírica pelos saberes do mundo. A ciência que nasce no século 17 tem como principal expoente Galileu Galilei, que junta observação experimental com descrição teórica de fenômenos, criando leis naturais explicadas através da matemática e confirmadas através de suas observações concretas. Deve ter sido ele que criou o ditado "contra fatos não há discussão".

Esse novo lugar no Universo modifica nosso olhar para a vida e para nós mesmos. A busca pelo conhecimento com base empírica e não mais teológica  nos faz desenvolver a capacidade de encontrar outras respostas para as “questões finais” filosóficas (imortalidade da alma, liberdade/livre arbítrio, existência de Deus, princípio e fim do mundo), que sustentam a religião e o Homem no Mundo, sem que precisemos recorrer à metafísica. O nome que damos a isso é Racionalidade. Nasce assim a biologia, a mineralogia, paleontologia e também a antropologia, a ciência política, a economia, pois a ideia de que “a natureza tende à organização”, deixa de ser uma máxima que nos obriga a acreditar em Deus e passa a ser uma porta para se entender a Natureza e o Mundo em que vivemos.

Quando Rene Descartes (1596-1650) aparece no século 17, há uma busca por motivos racionais para a existência de Deus. Ele sai do pressuposto de que assim como existe o mundo, Deus tem que existir. Na verdade o que Descartes acaba demonstrando é que  Deus é uma ficção necessária a partir da autorreflexão da razão. Sua famosa frase “cogito ergo sun” (penso logo existo), quer demonstrar que o exercício da razão é a maneira que Deus tem de se expressar no Ser Humano: “Não sou eu que me aproprio de Deus através do poder da minha razão, mas bem o contrário: é Deus que toma posse de mim enquanto exerço minha razão”. Essa tentativa de usar a racionalidade para conhecer a Deus ainda sai do pressuposto de que o mundo é um reflexo de Deus, mas abre as portas para os Empiristas, que buscam conhecer o mundo através da atividade racional e da confiança na percepção sensível.

Quem se contrapõe a essa ficção de Descartes é Jean Jacques Rousseau (1712-1778), que inverte a proposição cartesiana ao afirma não ser possível o pensamento antes da existência: “primeiro preciso existir para depois poder pensar”. Rousseau combate toda ideia de um Deus revelado – o que enfurece católicos e protestantes – e o coloca no coração dos Seres Humanos: “quantos homens entre mim e Deus!”, costumava dizer. Isso significa que o conhecimento só é possível a partir da experiência interna que se tem de um mundo externo. Ele percebe que as várias maneiras de se experimentar o mundo através dos sentidos precisa de um princípio organizador que é chamado de Eu. O “visto” e o “tocado”, por exemplo, se converteriam em 2 objetos diferentes por meio apenas da percepção do mundo exterior. Somente um “Eu” é capaz de realizar a síntese e coloca-los em conexão como sendo um único objeto. Portanto é a identidade do Eu que garante a unidade dos objetos exteriores a si. Assim nasce a ideia de um Ego psicologicamente equipado para  experimentar e conhecer a vida humana.

Sem um “Eu”, não há um “Outro”, e, assim a percepção do Eu é que produz o “Ser” individualizado. A Percepção e o Conhecimento passando a ser um fenômeno psicológico de autoconsciência faz do Eu o responsável de compor e instalar o mundo através do prazer, da intensidade, da alegria de viver, da tristeza, etc. O Ser Humano deixa de ser expectador para se tornar o diretor da vida: “o ser humano (...) tornou-se capaz de recolher todas as riquezas que haviam sido anteriormente espalhadas pelo céu”. Ao se entender que os antigos tesouros da metafísica eram obras das mãos humanas, ficaram todos muito animados com esse poder, mas logo essas riquezas perderam sua magia e se mostraram incapazes de cumprir suas promessas. Nasce daí o temor da História construída por nós mesmos.

Urano, o sétimo planeta a partir do Sol e o mais massivo de nosso sistema, foi avistado pela primeira vez em maio de 1781, rompendo as fronteiras do Universo que até então eram guardadas por Saturno. Esse foi o primeiro planeta avistado por um telescópio, portanto fruto dessa nova mentalidade que surge no século 18 que tenta conhecer o mundo de maneira racional e não mais teológica, aperfeiçoando seu olhar sobre a natureza e o Ser Humano. Esse é um tempo de grandes avanços de nossa capacidade técnica. Queremos ver mais longe, ouvir mais acuradamente, expandir nossos sentidos físicos para conhecer o Mundo e o Humano. Essa é a consciência que Urano nos traz. Saturno nos mostra as regras e dogmas sociais, que temos que conhecer e aprender a usar se quisermos ultrapassá-los, e Urano atua no sentido de mostrar que essas regras e dogmas são obras humanas, e, portanto, podem ser construídas e desconstruídas a partir da busca por valores e conceitos que nos tornem mais livres enquanto humanos. Kant aparece nesse contexto em busca do “a priori” do pensamento humano para entender o como e o que se pode conhecer. 

Immanuel Kant (1724-1804) mostra que conhecemos através da intuição e utilizando o espaço e o tempo concreto. Ele reconstrói minuciosamente nossa maneira de pensar o mundo através de 12 categorias do entendimento. O nosso entendimento é a faculdade que temos de usar conceitos que nos possibilitam fazer juízos. Os Juízos são divididos por ele em 4 formas e 3 tipos (Relação:  a mesa é de madeira; Hipótese:  se colocar água sobre a mesa ela se mancha; Disjuntiva: se é verdade que isso é uma mesa então não é um fogão). O que ele quer demonstrar é que o conhecimento humano tem como aprioridade a apercepção, ou seja, a capacidade de perceber e interpretar os estímulos sensoriais. Esse conhecimento só pode ser feito através de um “sujeito” que percebe o mundo antes de se defrontar com a experiência concreta material, e através disso constrói representações de si e do mundo que permitem o entendimento de sua existência concreta. 

Uma das consequências dessa compreensão que me interessa destacar aqui é a de que o nosso pensamento deixa de nos ligar ao transcendente, pois não estão além da experiência, mas são transcendentes em si, pois existe antes da experiência, criando conceitos onde as nossas experiências pessoais fazem sentido: “se as submetemos a um exame cuidadoso perante nosso olhar intelectual, transcenderemos a experiência em direção às condições da possibilidade da experiência (construiremos conceitos), ou seja, (em sentido) horizontal, mas não verticalmente”. Resumindo: “não existe nenhum caminho que conduza do Transcendental ao Transcendente”. Isso significa que nossa razão humana não tem como conhecer a “Deus”, o “Absoluto”, a “Causa Primeira”, ou seja lá como você queira chamar aquilo que criou o mundo e o ser humano. O Transcendente, que Kant vai chamar de “Coisa em Si” é aquilo que não podemos apreender e nos escapará sempre, pois nosso conhecimento depende dos órgãos de percepção que sempre projetará sua sombra sobre o que é captado. O que fazemos ao conhecer o mundo é criar representações. Nosso entendimento vem da ordenação dos elementos obtidos pela experiência, mediante o princípio de causa e efeito (causalidade) e de necessidade. 

Portanto, a causalidade e a necessidade são os princípios da nossa mente projetados de dentro para fora sobre o mundo. A principal consequência disso é que não podemos deduzir a existência de Deus como causa primeira da existência do mundo (como fez Descartes), ou como primeiro motor (como descrito pelo mecanicismo), ou o “Arquiteto Divino” (como fazem os Maçons), pois isso significa ultrapassar o âmbito de toda experiência possível, e estaremos “fazendo um uso indevido de uma categoria do entendimento. Isso rompe com a metafísica tradicional e com a possibilidade de sustentar a existência de Deus através da razão. O que cria o Transcendental são as nossas imagens, sonhos e devaneios”. Kant separa o pensamento racional dos campos especulativos pertencentes à emoção e ao sentimento, e, assim, paramos de tentar entender o mundo “em si” e buscamos o como é representativo do mundo. Um exemplo concreto dessa diferenciação é dado por Kant em seu “ENSAIO SOBRE ENFERMIDADES DA MENTE”, onde analisa Jan Komar Nicki, o “Profeta das Cabras”, que vivia em sua cidade vestido com pele de animais, descalço e com rebanhos de vacas, ovelhas e cabras que precisavam ter sempre o mesmo número, e fazia profecias sobre Deus e o Mundo. Esse é o modelo Transcendental Metafísico de Kant, onde o Maravilhoso é apenas Extravagante. Isso torna impossível que qualquer pessoa ou grupo de pessoas possam reivindicar a Verdade sobre nossa existência.

A impossibilidade de conhecer a “Coisa em Si” pode parecer uma limitação muito dura -e é mesmo -, mas o que ocorre é uma libertação individual, a possibilidade de encontrar parâmetros subjetivos para a própria existência. Essa é a experiência que temos de Urano na astrologia. Nenhum dogma, verdade, espiritualidade ou formação resiste à necessidade de liberdade subjetiva e rompimento com aquilo que oprime a autoexpressão quando se trata desse planeta, seja no mapa natal, seja em trânsitos ou progressões. Uma constatação que faço há muitos anos é que pessoas que conseguiram conquistar uma autoexpressão em suas vidas e buscam isso conscientemente (no trabalho, nos relacionamentos, na espiritualidade, etc.), não vivenciam rompimentos significativos com os movimentos uranianos, e sim maiores oportunidades de expressão.

Kant demonstra a impossibilidade de encontrar o Absoluto através do uso da Razão, portanto não se trata mais de uma transcendência do “Além” do Mundo, mas a transcendência do que não é nem mais nem menos do que a faceta sempre visível de todas as Representações: “a Razão Humana... tem o singular destino... de ser assediada por perguntas a que não pode desdenhar porque são apresentadas pela própria natureza da razão, mas que tampouco pode responder, visto que superam toda capacidade da razão humana”. A função da nossa Razão não é de encontrar o conhecimento absoluto, mas permitir “atravessar os ritos de passagem que nos dão acesso ao mundo das vivências”. Joseph Campbell irá trabalhar com essa premissa para analisar mitos. Podemos encontrar verdades parciais que nos ajudam a viver, mas sempre estaremos lidando com representações do mundo, do outro e de nós mesmos. A existência humana passa a ser algo mais complexa, pois entendemos que “somos uma ‘Coisa em Si’ e também uma representação para nós mesmos”. A Transcendência deixa de ser algo sublime para se transformar em um ponto cego. É isso que Freud e a psicologia que nasce com ele vão chamar de Inconsciente, confirmando a ideia de Kant de que “a ‘Coisa em Si’ é o "re-verso de todas as nossas re-presentações”.

Essa dupla natureza que Kant demonstra (uma fenomenológica, “célula do mundo sensível que pode ser refletida pela Razão” e uma numinosa, chamada de “Nômeno” por Kant e de “Numinosidade” por Jung, que é criada através da “Coisa em Si), cria a possibilidade de exploração do universo interno do indivíduo a partir das experiências vividas pelo próprio individuo, e é isso que Freud vai buscar nas histéricas e Jung nos esquizofrênicos.

Apesar de não poder ser conhecida através da razão, a “coisa em si” se manifesta quando agimos no agora e experimentamos a nós mesmos de tal maneira que não nos encontramos interligados em uma cadeia causal, mesmo que mais tarde possamos encontrar uma necessidade ou causalidade para nossa ação. O exemplo de Kant: levantar de uma cadeira “completamente livre e sem influxo determinante de causas naturais” é um ato gerado pela “coisa em si”, enquanto uma ação gerada por “necessidade” ou “causalidade”, como levantar-se para movimentar as pernas ou chamar a atenção das pessoas na sala, são categorias do nosso “entendimento representativo, e desse modo do mundo representativo, do mundo como ele aparenta ser”. Olhando para o Mundo não há como saber o que é um ato gerado pela “Coisa em Si” e o que é fruto do nosso entendimento representativo. A Coisa em Si é algo que já é antes que eu possa compreender ou explicar. Quem já teve a experiência de querer fazer algo, mas a “Vida” (“Deus”, o “Destino”, etc.) tinha outros planos, sabe que não conhecemos nem a Coisa em Si em nós mesmos. Urano trabalha com a mudança em nossas representações, já que ele faz parte do nosso sistema solar, mas, assim como os outros transaturninos, ele parece ter maior proximidade com a Coisa em Si, pois tem também um aspecto numinoso que torna suas ações irresistíveis e muitas vezes imprevisíveis.

Entendermos a limitação de nossa racionalidade humana traz o incrível paradoxo de nos libertar dessa mesma racionalidade. Essa é porta que permite a entrada de Charles Darwin e sua “A Origem das Espécies”, publicado em 1859, onde ele demonstra que não somos muito mais do que macacos mais espertinhos. Mas isso já é assunto para Netuno, que foi avistado graças aos movimentos estranhos de Urano...