terça-feira, 27 de novembro de 2007

Sagitário, O Mito


Na mitologia greco-romana existem dois tipos de centauros: os seguidores de Baco-Dionísio, ligados aos apetites do instinto, ao êxtase e ao entusiasmo divinos, e o filho de Crono-Saturno, Quiron, sábio mestre dos heróis e médico ferido. Os dois tipos nos falam da realidade vivida por Sagitário, e estão relacionados à história de Hércules (Héracles grego). Durante a busca do Javali de Erimanto, no seu terceiro trabalho, Hércules é atraído por Dionísio à casa do centauro Folo para ser iniciado nos mistérios desse deus. O centauro recebe muito bem ao herói e, quando esse lhe pede vinho, Folo abre a jarra dada a ele pelo deus. O cheiro do licor dionisíaco atiça os centauros da região que, armados de rochedos, árvores e troncos, avançam contra Folo e seu hóspede. Hércules contra atacou, matando dez centauros com suas flechas envenenadas com o sangue da Hidra de Lerna. Quando se ocupava em enterrar os companheiros mortos, Folo, ao retirar uma flecha do corpo de um dos centauros, deixou-a cair em seu pé, morrendo com a ferida. Hércules, desolado, rendeu-lhe as homenagens fúnebres e enterrou-o no monte que recebeu o nome de seu amigo. Nesse mesmo confronto, Hércules persegue o centauro Élato, que havia se refugiado junto a Quiron, e acaba ferindo também o mestre dos heróis. O filho de Saturno-Crono fica, então, com uma ferida incurável, já que a imortalidade dada por seu pai impedia o veneno de acabar com sua vida. Cheio de dor, Quiron pede a Júpiter para morrer. Prometeu, que nascera mortal, cede-lhe seu direito à morte, e Quiron pode descansar, subindo aos céus sob a forma da constelação de Sagitário, que tem como hieróglifo a flecha (sagitta em latim), que o feriu.
A primeira coisa que os centauros nos falam de Sagitários é sobre os perigos dessa embriagues que brutaliza, mostrada na tendência do signo de passar por cima de tudo e de todos na busca apaixonada para se sentir mais próximo da fonte que atrai ao mundo da consciência a gama de sensações da vida. Esse ímpeto pode ferir e até matar aquilo que deveria servi-lhe de guia em uma iniciação progressiva e gustativa, e não na brutalidade da embriagues. Em Quiron encontraremos o que há por baixo dessa correria desenfreada, o significado mais profundo de Sagitário. Filho do deus Crono-Saturno, aquele que limita e objetiva a vida humana, o centauro Quiron era amigo dos homens. Sábio, ensinava para seus discípulos e futuros heróis, música, artes da guerra e da caça, moral, e, sobre tudo, medicina. Como o deus Crono-Saturno havia fecundado sua mãe, Fílira, sob a forma de um cavalo, Quiron nascera com essa dupla natureza, recebendo o conhecimento tanto do instinto animal quanto da essência espiritual. A consciência dessa dupla natureza o fazia um filósofo e um professor, porém era a dor de se saber um ser estranho, diferente, que lhe dava a capacidade de ser o grande médico que era, pois o fazia compreender a dor dos outros. Esse é o significado retomado pela ferida feita por Hércules: Quiron, aquele que cura, tem uma ferida incurável. Sagitário também tem uma ferida incurável, que se situa entre seu lado mortal e seu lado divino. Esse signo, com sua intuição e visão apurada, entra em contato com muitos mistérios que lhe dão uma percepção profunda, muitas vezes inexprimível, de que a vida tem um sentido verdadeiro, o homem é divino, tudo tem um propósito, ensina uma lição e proporciona um engrandecimento. Mas a realidade do tangível, a vida física e sempre imperfeita, cheia de limites, é uma flecha envenenada que mostra a distância que existe entre sua busca luminosa e as demarcações do ser humano. Essa é a verdadeira ferida de Sagitário, que ele pode até tentar ignorar, lançando-se em uma corrida infindável de uma sensação à outra, evitando parar para não dar tempo e espaço à dor. Centauros andam em bando e se divertem juntos, mas a mitologia mostra que apenas aqueles que encontram uma caverna e conseguem passar um tempo na solidão adquirem a verdadeira sabedoria e podem ensiná-la aos outros. O comportamento agitado de Sagitário busca soterrar a ferida - do corpo e da alma - através de uma atividade incessante que visa divertir-se e divertir aos outros, tentando provar a si e às pessoas sua incrível felicidade. Mas aquele que tem coragem para enfrentar suas visões e a realidade da vida será o verdadeiro médico e mestre, pois aprenderá a ter compaixão - uma qualidade que falta ao mais ingênuo e cego desse signo. Só assim se terá acesso a um dos mais profundos segredos da vida e dos seres humanos: a dualidade deus/animal que está dentro de todos e de cada um de nós.
Trigueirinho, médium brasileiro, no livro Hora de Crescer Interiormente – O Mito de Hércules Hoje (Ed. Pensamento, 1988, SP) atribui uma das tarefas de Hércules a cada signo. A tarefa hercúlea dada a Sagitário é a de acabar com as Aves do Lago de Estifalo. Numa espessa e escura floresta da Arcádia, às margens do lago de Estifalo, viviam centenas de aves de porte gigantesco, que devoravam os frutos da terra e, segundo algumas versões, eram antropófagas e liquidavam os passantes com suas penas de aço, que serviam como dardos mortíferos. Haviam muitas dificuldades para acabar com esses pássaros, e o primeiro deles era fazer com que saíssem de seus escuros abrigos na floresta. Hefesto, o grande artesão olímpico, fabrica para o herói, a pedido de Atena, umas castanholas de bronze. Héracles tampa com cera seus ouvidos e começa a tocar as castanholas, que emitem um som ensurdecedor. Com o barulho, as aves levantam vôo e são mortas uma a uma com flechas envenenadas pela Hidra de Lerna, as mesmas que mataram os centauros. Com suas flechas certeiras, símbolo da espiritualização, Héracles liquida as Aves que viviam no Lago Estifalo. O lago é símbolo do portal do inconsciente, de onde os seres subterrâneos podem chegar aos homens e leva-los para seu mundo, e as aves que dele levantam vôo simbolizam o impulso de desejos múltiplos e perversos não trabalhados pela consciência. Saídos do inconsciente, onde se haviam estagnado, põem-se a esvoaçar e sua afetividade perversa acaba por ofuscar o espírito. Como sempre, a tarefa se realiza à partir da consciência do signo oposto, que, no caso, é Gêmeos. Sagitário costuma ter o hábito de falar e agir de maneira irrefletida e descontrolada, e na maioria das vezes faz isso dispersando energias e destruindo o que tem em volta. É preciso aprender a controlar essa compulsividade em falar e dar conselhos sobre o que é melhor para os outros e passar a ouvir mais e refletir sobre o que escuta – dentro e fora – antes de se pronunciar. Por isso Hércules tem que tapar seus ouvidos com cera, fechando a entrada para o barulho externo que ele mesmo cria. A tagarelice inconsciente, o falar continuamente de si próprio e a revelação de saberes de forma leviana, sem se preocupar com a possibilidade de compreensão do outro, pode levar Sagitário a cometer erros banais, que o impedem de percorrer seu caminho de maneira consciente. Sagitário precisa aprender que seu saber é sagrado e incluir nisso a possibilidade de compartilhar com o outro apenas aquilo que o outro tem capacidade de saber também. Só assim ele poderá entrar em contato com sua verdadeira fonte de sabedoria e compreender as dores e dificuldades humanas que ele mesmo carrega. Isso irá clarear o seu caminho heróico, fazendo com que pare de cavalgar às cegas, em círculos que só poderão levá-lo ao mesmo lugar.

2 comentários:

Maria Helena disse...

Demais! Sempre bom reler!!! Gracias

Teca Dias disse...

:)