quarta-feira, 31 de outubro de 2007

PLUTÃO



Vamos começar falando de mais essa polêmica que algumas pessoas gostam de fazer entre astronomia e astrologia. Em 2006 a União Astronômica Internacional resolveu mudar a sua classificação de corpos celestes acrescentando a categoria “Planeta Anão” a ela. O que diferencia um planeta de um planeta anão é que nesse último “a vizinhança ao longo de sua órbita não é limpa de outros objetos celestes”. Ponto. Como depois de Netuno existe uma série de objetos celestes de difícil definição astronômica e que penetram na órbita de Plutão, resolveram chama-lo de planeta anão. Se você quiser saber mais sobre essas definições e resoluções, vá ao link http://www.astronomy2006.com/press-release-24-8-2006-2.php que fala do encontro em Praga onde se apresentaram essas definições e tem uma série de outros links para pesquisar.

A palavra planeta vem do grego planetés, que quer dizer errante, e foi como se começou a definir os corpos de luz que passeavam pelo céu. Astrologicamente essa definição continua válida, portanto aqui nada mudou com relação a Plutão: ele ainda tem uma rotação de 6,4 dias e uma translação de 248 anos, rege Escorpião, tem exílio em Touro, exaltação em Sagitário e queda em Gêmeos. Mas não é a toa que os astrônomos têm dificuldades para classificá-lo, pois seu movimento é absolutamente irregular, e, por sua órbita ser elíptica e estar tão distante do Sol, ele fica em Escorpião +/- 18 anos, e cerca de 30 anos em Touro, além de ter momentos em que está mais próximo da Terra do que Netuno, como ocorreu entre 1979 e 1989. Esse é um planeta realmente desconcertante em sua peregrinação ao redor do Sol. Bem, astrologicamente falando, ele também não é nada fácil.

Plutão, quer dizer “riquezas”, o que é a maneira educada usada pelos romanos para designar o senhor das profundezas para onde iam os mortos. Ésquilo o apresenta como: “Hades, o deus da morte, (que) preside o julgamento/ sobre as ações de um homem depois que ele morre./ O deus da morte, Hades, não se esquecerá das matanças e das dívidas de sangue”. Quando falamos de Plutão em astrologia o mais comum é usarmos as palavras “transformação” e “crise”, que também são maneiras educadas com jeito de profunda intenção espiritual ou psicológica, mas que não chegam a explicar realmente o que acontece ao se vivenciar algum aspecto desafiador ou trânsito/progressão difícil dele. Com esse deus tudo fica muito vago ou meramente intelectual para se falar do sofrimento envolvido em seus processos. A idéia de “sofrimento necessário” também não ajuda muito, já que os sentimentos mais comuns que ele gera são raiva e impotência. Aqui se trata de descobrir o que mantêm a vida quando a vontade pessoal não tem mais condições de fazer suas escolhas habituais e o discernimento não pode poupar o sofrimento, apenas evitar que ele seja completamente irracional. Os nossos sentimentos cotidianos não estão de acordo com a lei implacável de Plutão, e é bem difícil simplesmente assistir a toda perda e desintegração que ele gera.

Na mitologia, Hades vêm à superfície em duas ocasiões apenas: quando adoece e quando se apaixona. Paixão vem do latim passione, e quer dizer sofrimento. Daí a Paixão de Cristo ou dos Santos martirizados. É a paixão que aparece na literatura do movimento romântico, e seus finais são sempre trágicos. Esse sofrimento excessivo e afeto violento, que surge como uma alucinação ou um vício dominador, causador de mágoas profundas, aparece em nossas vidas como algo do Destino. Morte e paixão, os dois escudeiros desse deus, deixam mudanças irrevogáveis atrás de si, seja num nível físico ou psíquico, e o que findou não pode ser reposto de novo: “Às vezes pode-se ter a impressão de que a lei do destino concede algum bem positivo aos homens; no entanto, do conjunto de suas funções, não pode haver dúvida de que seu caráter não é positivo e sim negativo. Ela estabelece uma fronteira para limitar a duração, uma catástrofe para limitar a prosperidade, a morte para limitar a vida. Catástrofe, cessação, limitação, todas as formas ‘até aqui e não mais além’, são formas de morte (...), e a morte é ela própria o sentido primordial do destino. Sempre que o nome de Moira é pronunciado, o primeiro pensamento que surge é o da morte, e é na inevitabilidade da morte que a idéia de Moira está enraizada.” (cit. in A Astrologia do Destino - Greene, Liz – 1989: 43 - Otto, W.F. - “Os Deuses Homéricos”).

A casa onde encontramos Plutão em um horóscopo torna-se o lugar em que se tem de lidar com as limitações da natureza punitiva, associada à Ananque grega, a deusa da Necessidade. Os confrontos com o poder e a impotência, a perda e o desejo frustrado, mais a cura virtual que advém da aceitação da Necessidade, são características de Plutão em qualquer área da vida. Ananque significa um vínculo fisicamente opressivo de servidão a um poder inevitável. Os relacionamentos familiares e os laços que mantemos em nossos mundos pessoais são modos pelos quais vivenciamos a força da Necessidade, e nossas tentativas para nos livrarmos de obrigações pessoais são tentativas de escapar ao círculo fechado de Ananque. Quando se discute as várias posições de Plutão no mapa astral, o método psicológico de trazer elementos do inconsciente para a consciência não faz tanta diferença, mas se consegue interiorizar o dilema de modo a que esse deus não seja mais encontrado tão cegamente nas pessoas e nos acontecimentos exteriores. Quando desenterramos as experiências básicas que formaram a teia de dependência com relação ao passado, liberando uma sensação de significado, o destino não desaparece, mas a compulsão de busca das raízes de um problema acaba introduzindo a pessoa à realidade da Moira e das Erínias, que comandam o Destino. Isso quer dizer que, uma vez que se tenha ido até o fundo do poço, contatado os ultrajes, rancores, dores, venenos, separações e mágoas pessoais de infância, tendo-os expresso e inclusive perdoadoando-os, existe ainda o próprio poço: se se está preso a um destino e a cobertura da mãe e do pai, das condições e condicionamentos de infância, dos ensinamentos morais incutidos, etc., são retirados, já não será possível disfarçar a rígida e premeditada natureza da corrente que nos move.

Não se pode evitar ou escapar de uma força dessas. Atena, para proteger Orestes, consegue abrandar a cólera das Erínias concedendo-lhes um lugar de honra na hierarquia divina, ouvindo-as, sendo receptiva e aguardando sem julgamento. Essa parece ser a melhor maneira de se lidar com os processos de Plutão. Ele irá destruir velhos padrões para que se assuma a responsabilidade pela própria vida, fazendo com que os alicerces despenquem sobre nossas cabeças. Plutão não nos persuade a mudar, se assegura de que chegaremos lá, eliminando drasticamente as velhas formas até que não reste nada, ordenando que um velho ciclo termine e um outro comece, não nos deixando nenhuma escolha entre mudar ou morrer. Onde Plutão monta seu altar no mapa os acontecimentos não são fáceis, principalmente por que o ego - isolado e cheio de hibris - não está interessado em supervisionar sua própria destruição. Quando a onipotência do ego e da vontade pessoal é posto à prova dessa maneira, ficamos com medo de sermos destruídos e, de acordo com isso, tentamos nos proteger controlando cruel e deslealmente tudo que ocorre na casa de Plutão, sem saber que quanto mais compulsivos e obsessivos ficamos, mais força damos a essa misteriosa corrente, maior que nós mesmos, nos tornando catalisadores de nossa própria morte.

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