terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Vênus e Alquimia



“O amor é a chama que uma vez acesa queima tudo,
e somente o mistério e a jornada permanecem. “
Rumi

Vênus corresponde ao cobre na alquimia, e dizem os antropólogos que esse foi o primeiro metal minerado e trabalhado pelo ser humano, encontrado em escavações datadas por volta de 9000 a.C. no Oriente Médio. Em 5000 a.C. já se realizava a fusão e refinação do cobre a partir de óxidos como a malaquita e azurita e em 3000 a.C. os egípcios faziam tubos de cobre e também descobriram que a adição de pequenas quantidades de estanho facilitava a fusão do metal, aperfeiçoando os métodos de obtenção do bronze. Ao observarem a durabilidade do material os egípcios representaram o cobre com o Ankh, símbolo da vida eterna. Os Fenícios, a grande civilização de comerciantes da Antiguidade, entre 1500 a.C. até 300 a.C. aproximadamente, importavam o cobre da Grécia, e Chipre, a meio caminho entre Grécia e Egito, era a cidade-estado do cobre por excelência, ao ponto de os romanos chamarem o metal de aes cyprium ou simplesmente cyprium e cuprum, donde provém o seu nome latino e seu símbolo químico (CU). Chipre estava consagrada à deusa da beleza, Afrodite, e os espelhos eram fabricados com este metal. O símbolo do espelho de Vênus/Afrodite da mitologia, da astrologia e da alquimia é a modificação do egípcio Ankh, e foi posteriormente adotado por Carl Linné em sua taxonomia para simbolizar o gênero feminino.

Ankh
Vênus

O cobre é um dos metais de transição (metais duros de altos pontos de fusão e ebulição, que conduzem bem o calor e a eletricidade e podem formar ligas entre si), cuja condutibilidade elétrica e térmica só é superada pela da prata. Por isso o cobre tem seu lugar na mesma família que a prata e o ouro na tabela periódica.

Normalmente o cobre tem um tom avermelhado, alaranjado ou acastanhado devido a uma fina camada de manchas de óxidos, mas o cobre puro é rosa ou cor de pêssego. Apesar de não reagir com a água, ele reage lentamente com o oxigênio atmosférico, formando uma camada escura de oxido de cobre, e com o CO3 cria uma camada verde de carbonato de cobre, chamado azinhavre, visto em construções e estátuas antigas.

O cobre também é um elemento essencial à vida em geral, participando no nosso organismo do processo de fixação do ferro na hemoglobina do sangue. Grandes concentrações são encontradas no cérebro e fígado.

Vital, cheio de beleza e utilidade para nós desde que nos deparamos com ele, o cobre, como Vênus, tem sua capacidade de condução de energia facilmente associada ao conceito freudiano de libido, a energia que alimenta o instinto de vida e tem em sua mobilidade, na facilidade de alternar entre uma área de atenção para outra, sua característica básica. Traduzimos Libido do Latim como “desejo”, “anseio” e no século III d.C. Santo Agostinho já caracterizava três tipos de desejos: a libido sciendi, desejo de conhecimento, a libido sentiendi, desejo sensual em sentido mais amplo, e a libido dominendi, desejo de dominar. Esse reino que abarca desde os desejos mais altruístas até os mais egoístas, pertence a Afrodite/Vênus.

Gehard Dorn (c. 1530 – 1584), alquimista, filósofo e médico belga muito citado por Jung e Marie-Louise von Franz, tem imagens bem interessantes do processo alquímico, e uma delas fala do “dragão agitado da matéria” (o chumbo) que depois de ser mergulhado em uma solução aquosa com “aquilo que é barato e precioso”, é revivido pelo fogo, recupera suas asas, voa para longe, deixando em seu lugar uma criança divina (o ouro) que “vive no fogo”, fruto da união do dragão com a preciosidade que encontrou sob as águas. Essa criança é vermelha e atrai a vida do fogo. Ou seja, é uma criança coberta de libido, e que é capaz de atrair e direcionar essa força do desejo.

A Vênus, assim como Mercúrio, traz características muito pessoais de quem somos no mapa astral. Nossos gostos, nossos valores e a forma como atraímos aquilo que apreciamos para nossas vidas está sob cuidados dessa deusa. Vênus nos permite reconhecer o que há de precioso em meio àquilo que é “barato” e assim direcionar nossas forças criativas para o que tem valor. Aqui temos o princípio feminino que cria, enquanto na Lua temos o princípio feminino que cuida do que foi criado (falarei em algum momento futuro sobre a união alquímica do Sol com a Lua, que é o centro da Opus Alquímica, para entender mais profundamente esse princípio lunar e a criação solar). Quando o Chumbo/Saturno, chega ao estágio do Cobre/Vênus, depois de ter passado pela dissolução do nigredo, a purificação do albedo e a vivificação do citrinitas, a libido já está pronta para unir o homúnculo, que estava aprisionado no chumbo no início da aventura alquímica, à imortalidade divina, pois então é possível entender que “o significado ou o sentido da própria vida é a imortalidade – o estado mental em que constantemente usufruímos a presença de Deus” (Von Franz, Imaginação Ativa, 1979, pg. 78).

O Rubedo é a última fase do processo alquímico de transformação do chumbo em ouro, quando o Mercurius finalmente encontra o Sol, que se une a Lua e formam “o Renascido Divino”. Na fase vermelha acontece a síntese interna, a união entre as forças opostas que atuam dentro da matéria e que vai gerar a pedra filosofal. O lado masculino e o feminino da alma se integram. Essa união é chamada de conjunctio e é o ponto culminante da Obra.  Para que essa última fase pudesse acontecer, alguns alquimistas, inclusive o mítico Paracelso, afirmavam a importância de criar um ambiente saudável, cheio de beleza para desobstruir qualquer energia que provoque condicionamento e assim os metais consigam se unir de maneira correta. Ou seja, sem Vênus não há transformação, pois se a libido não está presente, ela estará em outro lugar e é muito provável que esteja lá atrás, no nigredo, associado à sombra, ou embolada com os condicionamentos passados conhecidos, muitas vezes destrutivos. Vênus não faz parte da transformação em si, não é ela que se transforma, mas sua presença é imprescindível.

Então, se você, alquimista amig@, é muito inteligente, muito disciplinado, tem muita força de vontade, mas não consegue reconhecer o que tem valor, não aprimora seu sentido pessoal de beleza (que pode ser muito diferente daquele condicionado socialmente) e não expressa essa beleza no mundo, direcionando sua libido para aquilo que te trará alegria e bem-estar, a transformação não ocorre. A Vênus traz em seu símbolo a imortalidade do Ankh que também pode ser traduzido como o divino (o círculo) dominando a matéria (a cruz), e é nesse sentido que à essa deusa se associa a Beleza e o Amor, pois é ela que nos conduz à Fonte da Juventude. Muitas vezes ao longo de nossa história humana mais recente, de uns 2 mil anos para cá, se condenou esse princípio feminino tão elementar das nossas vidas, tentando substituí-lo por outra coisa, por outros símbolos, o que acredito poder ser uma das razões de nos encontrarmos nesse estado tão patológico, social e pessoal, onde a sensação de impotência e estagnação é óbvia. 
 
Ou, como disse o engenheiro que amava livros e virou editor e escritor, Franklin P. Jones: “o Amor não faz o mundo girar. O Amor faz o giro valer a pena”

Não podia terminar esse ano regido por Vênus sem falar dela, que traz um principio muito mais de daímôn grego, de um espírito da natureza, do que de uma deusa distante do Olimpo. Espero que todos tenham aproveitado esse tempo para aperfeiçoar suas qualidades venusianas. Ano que vem será regido por Júpiter, com eleições, copa do mundo e sabe-se lá o que mais. Certamente ter os próprios valores e beleza conscientes vai ajudar bastante. Feliz Natal!

2 comentários:

Jaqueline disse...

ótimo texto. E em 2021 mais do que nunca a importância em equilibrar espírito e matéria. Feliz ano novo.

Teca Dias disse...

Grata Jaqueline! Um 2021 com Luz para encontrar o caminho em meio a tantos desafios!