quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Lilith, a Lua Negra


“Então Deus disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra (...)’. Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher. (...) E assim se fez. Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom”.

Gênese 1 – 26.31




E enquanto Deus descansava de seu grande trabalho de criar o mundo, Adão só queria fazer sexo papai/mamãe e a primeira mulher se revoltou com essa falta de criatividade. Segundo o Alfabeto de Ben-Sira (600 – 1000 d.C.), que encontrei na Wikipédia, Adão e Lilith começaram a brigar e Lilith disse: "’Por que devo deitar-me embaixo de ti? Por que devo abrir-me sob teu corpo? Por que ser dominada por ti? Contudo, eu também fui feita de pó e por isso sou tua igual.’ Quando reclamou de sua condição a Deus, Adão retrucou: ’Eu não vou me deitar abaixo de você, apenas por cima. Pois você está apta apenas para estar na posição inferior, enquanto eu sou um ser superior.’  Lilith respondeu: ‘Nós somos iguais um ao outro, considerando que ambos fomos criados a partir da terra’. Mas eles não deram ouvido um ao outro. Quando Lilith percebeu isso, ela pronunciou o Nome Inefável (que é o nome de Deus) e voou para o ar. Adão permaneceu em oração diante do seu Criador: ‘Soberano do universo! A mulher que você me deu fugiu!’. Ao mesmo tempo Deus enviou três anjos para trazê-la de volta.”

A lenda continua dizendo que quando os anjos a encontram, Lilith se nega a voltar para Adão, e então esses seres sensíveis como um bando de rinocerontes sem Rivotril a ameaçam de afogamento se ela não obedecer. A Lei Maria da Penha ainda não tinha sido aprovada no tribunal divino, pelo jeito. Ainda por cima rogam a praga de que ela irá perder cem filhos por dia, o que a transforma em uma ameaça para recém-nascidos. Aí ela se alia aos anjos caídos e se transforma em demônio. Pois comecei a pensar em escrever sobre a Lilith enquanto acompanhava as várias “Marchas das Vadias” e “Marchas pela Humanização do Parto” pelo Brasil e sempre me vinha imagem de um monte de Liliths dizendo “eu também fui feita de pó e por isso sou tua igual”.

Vamos olhar algumas imagens que peguei nas páginas do Facebook da Marcha das Vadias de Brasília e da Marcha do Parto em Casa antes de falarmos da Lua Negra e sua equipe de 
demônios:













E aqui algumas campanhas desses dois grupos







Lilith é aquele aspecto humano (sim, de homens e mulheres), que não pode obedecer aos mandatos da cultura vigente que signifiquem injustiça ou opressão, mesmo que esses mandatos venham com rótulos de virtude ou civilidade. Na Cabala, (Patai 81: 455f) ela é referida como a serpente que levou Eva a comer o fruto proibido e alguns filósofos, a partir do Romantismo, utilizaram a metáfora de Adão e Eva comendo do fruto da Árvore do Bem e do Mal para falar do inicio da vida consciente do Ser Humano. Nesse sentido é que a Lilith em nosso mapa nos obriga a uma maior consciência sobre o Bem e o Mal, pois é um ponto onde não podemos nos acomodar ao status quo, onde um instinto mais forte de vida tem lugar, onde existe a crença de que acomodar-se é igual a se deixar afogar, e a única maneira de se lidar com isso é através da consciência do que é marginalizado em nós.

O encontro desse ponto orbital demorou muito tempo, assim como a nova consciência que Lilith nos traz demorou em ser aceita nas nossas psiques.  Os primeiros registros astronômicos que falam de Lilith apareceram na mesma época em que Netuno foi avistado, em 1846, e compartilha com ele, além de muita confusão, esse lugar misterioso e cheio de ilusões. Frederic Petit, diretor do observatório de Toulouse, na França, anuncia nesse ano a descoberta de uma segunda lua da Terra, podendo inclusive calcular sua órbita. Muitos profissionais e amadores passaram a olhar para o céu em busca desse segundo satélite da Terra. Os relatos dessa segunda lua falavam de um corpo nebuloso ou nuvem de poeira, difícil de identificar, somente podendo ser observada nas noites de Lua Nova e em posição diretamente oposta ao Sol. Em 1898, o Doutor George Waltemath, de Hamburgo, comunicou ter descoberto um sistema de pequenas luas da Terra, fornecendo elementos orbitais de uma delas, predizendo que passaria em frente ao Sol em fevereiro de 1898. Em 1918, Sepharial, um astrólogo de renome, começa a fazer investigações a respeito dessa lua de Waltemath, chamando esse satélite hipotético de Lua Negra ou Lilith, interpretando-a como um satélite escuro, obstrutivo e fatal, abrindo um novo campo de pesquisa para os astrólogos. Com os elementos orbitais de Waltermath, calculou suas efemérides para uso astrológico. Quando os primeiros satélites artificiais foram lançados em 1957 e 1958, porém, se verificou que aquilo que se consideravam luas terrestres, na verdade, eram meteoroides que tocam a atmosfera superior e perdem velocidade, fazendo com que alguns deles entrem em órbita, com um número de revoluções entre uma e cem, por um máximo de tempo de 150 horas. É possível que aquilo que Petit e Waltermath avistaram se referisse a um desses satélites efêmeros (obrigada Dani Rossi).

Mas antes mesmo dos satélites artificiais acabarem com a ilusão de outra lua orbitando nosso planeta, os astrólogos começaram a pesquisar a Lua Negra através do apogeu lunar, conforme proposto por Don Néroman, fundador do Collège Astrologique de France em 1933 - mesma época em que Plutão foi descoberto -, e que usamos até hoje.

Vamos entender o que é esse apogeu lunar, então: a Lua descreve uma trajetória elíptica ao redor da Terra, assim como os planetas ao redor do Sol. Como a elipse possui dois pontos focais, a órbita lunar é uma elipse que tem um dos focos no centro da Terra; e o foco vazio, que coincide com o apogeu lunar verdadeiro, é a Lua Negra ou Lilith, conforme esse conceito de Néroman. A projeção do apogeu da Lua no zodíaco (Lilith) desloca-se 6 minutos e 30 segundos por dia, 40 graus ao ano, percorrendo um signo zodiacal a cada 9 meses e levando 3.232 dias para dar uma volta completa no zodíaco, aproximadamente, 9 anos.


Como Plutão e Lilith foram descobertos na mesma época, alguns astrólogos acham que a Lua Negra é a contraparte feminina de Plutão, mas a Lua Negra parece trazer para nós a distorção das forças de todos os astros: egocentrismo (Sol), mágoas (Lua), dissimulação (Mercúrio), luxúria (Vênus), agressividade (Marte), exagero (Júpiter), rigidez (Saturno), rebeldia (Urano), ilusão (Netuno), sede de poder (Plutão). Um verdadeiro instrumentum diaboli essa menina, não? Na prática o que observamos é que todas as distorções que não conseguimos aceitar e elaborar conscientemente nas áreas em que atuam os outros astros irão se manifestar no ponto onde encontramos nossa Lilith, principalmente do regente do signo em que ela está. Isso pode ser tão perturbador quanto um sonho erótico para um celibatário, pois obriga a um questionamento a respeito de quão dignos somos de nossas escolhas conscientes.

A Lua visível e a Lua Negra estão diretamente conectadas, assim como Lilith e Eva. A Lua precisa do princípio masculino representado pelo Sol para ser vista, assim como Eva precisou da costela de Adão para vir ao mundo. A Lua em nosso mapa representa exatamente a nossa importantíssima capacidade de adaptação ao mundo, de criar vínculos afetivos e a possibilidade de segurança emocional nessa vida. Nosso satélite se associa à imagem da Mãe exatamente porque representa a parte receptiva do processo criativo, que precisa desenvolver cuidado e confiança na Vida para que o novo possa amadurecer e vir ao mundo. Mas quando nossa receptividade lunar, que se entrega ao princípio ativo com confiança e alegria, se distorce em medo, paralisia, estagnação, vício e dependência, teremos problemas sérios. É então que precisamos reverenciar nossa Lilith, mesmo que nos pareça um impulso demasiado primitivo e incivilizado. Não para tornarmo-nos histéricos malucos que saem matando e vampirizando, além de comer criancinhas, como falam algumas lendas que demonizam Lilith, mas porque, como nos ensina o Guia do Pathwork, “todos precisam fazer contato com a sua crueldade, brutalidade, sadismo, sede de vingança e malícia oculta para aprender realmente a superar essas emoções destrutivas, vendo-as, entendendo-as e aceitando-as. Só então podem convencer-se genuinamente de que não há necessidade da destrutividade. Enquanto a destrutividade não é encarada, fica faltando essa convicção e ela é contida principalmente por se temer a retribuição e outras consequências. Somente quando se tem a coragem e honestidade de ver e aceitar totalmente as emoções e desejos danosos do interior, apenas quando estes são completamente compreendidos e avaliados é que se pode ver, sem sombra de dúvida, que eles são supérfluos como defesas e que não servem a nenhum outro propósito.” (PW 169). Esse é o caminho para integração de Lilith.

Quando analisamos a Lilith astrológica olhamos para um ponto totalmente insensível a vitimismo, imaturidade emocional ou sentimentalismos de novela. Aqui temos o foco vazio da órbita lunar, e por isso associado a sentimentos de falta, de perda, de ausência, de frustração, de coisas insatisfatórias que precisam ser bem compreendidas para que haja realmente integração. Quem pode nos orientar de maneira muito boa nesse caminho é Carl Gustav Jung, que possuía uma forte Lilith sagitariana em conjunção com o Meio do Céu e em oposição a Plutão. Jung diz que um dos primeiros passos rumo à individuação – processo de nos tornarmos quem somos interiormente –, de maneira geral, é o confronto com nossa Sombra, pois ao abordarmos o inconsciente a partir de nossas próprias raízes psíquicas, não vamos nos deparar com nenhuma “luz interior”, mas com uma espessa camada de conteúdos pessoais reprimidos. Isso representa, ao menos para nós criados em uma cultura ocidental, um conflito moral doloroso. Como ele mesmo relata em suas “Memórias, Sonhos e Reflexões”: “nada pode nos poupar o tormento da decisão ética. Não obstante, por mais duro que possa soar, devemos ter, em algumas circunstâncias, a liberdade de evitar o bem moral conhecido e de fazer o que é considerado mal se nossa decisão ética assim exigir.” Para isso é necessário muito autoconhecimento, que revela à pessoa o que há nela de luz e de trevas. Isso é precisamente o que as pessoas desejam evitar, pois parece melhor projetar o mal em outra pessoa, nação, religião, classe, etc. Onde temos Lilith, essa projeção traz sofrimento e exige responsabilidade, ou, como diz Marie-Louise von Franz (C. G. Jung, Seu Mito em Nossa Época): “o malfeito, pretendido ou pensado, se vingará em nossa alma: o ladrão rouba a si mesmo, o assassino mata a si próprio.”

Existem duas maneira de se representar a Lilith no mapa. O mais comum nos programas de computador é um circulo com uma lua minguante dentro, mas o mais significativo é esse:


Que mostra uma ligação muito interessante com este, de Saturno:



Tanto Lilith quanto Saturno compartilham a fama de malignos e de criadores de frustração. Para mim, Lilith tem significado muito mais como lado feminino de Saturno do que de Plutão. Para apaziguar Lilith é preciso dos mesmos recursos usados para Saturno: seriedade, responsabilidade e paciência. Assim como Saturno quando trabalhado e integrado nos traz estrutura e autoridade internas que nos permite enfrentar com maturidade as aventuras da vida, a integração de Lilith nos traz a possibilidade de experimentar por inteiro a aventura de ser vivo, de se entregar à vida com maturidade e consciência.

Desde muuuuuito tempo o prazer feminino tem sido associado a algo ruim e não civilizado, inclusive relatos médicos da Idade Média pregavam que o orgasmo feminino prejudicava a concepção de filhos. O rótulo adotado para as pessoas com doenças psicossomáticas em geral e descontroladas em particular como histéricas – do grego hysterikós, relativo ao útero – já fala o suficiente sobre isso. Lilith traz a humanização do feminino. Durante os últimos nove meses, com a passagem de Lilith pelo signo de Touro, milhares de mulheres, com o maravilhoso apoio de muitos homens, foram às ruas mostrando peitos, barrigas e pernas para exigir respeito, cuidado e responsabilidade. Essa postagem é minha pequena homenagem a elas e também uma homenagem à minha Lilith, que, assim como Saturno, tem me mostrado um caminho de integridade.

Salve Lilith! Salve Nanã, Yemanjá, Oxum e Yansã (salve Lucia Cordeiro!)! Salve Eva, Maria e Madalena! Porque Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom.

4 comentários:

Fabiane Gabriela disse...

Salve as Lilith's que há em nós!

Teca Dias disse...

Ahow

Unknown disse...

Boa tarde Teca, gostei muito do texto. Como ativista de gênero fico muito feliz quando emcontro ima leitura astrológica (ou espiritual) que questiona os essencialismos sobre os quais nossas crenças são construídas. Parabéns!!

Depois de ler o texto fui conferir a Lilith no meu mapa natal. 0'5 graus em sagitário na casa 8, conjunção com a lua (2,27 graus em sagitário) e conjunção com urano (27 graus em escorpião na casa 8).
Me parace uma configuração bem forte mas encontro pouca informações sobre Lilith na Internet.
Alguma sugestão??

Cícero Bezerra

Teca Dias disse...

Super Lilith essa sua, hem Cícero? E a conjunção com a Lua Branca - essa que a gente vê no céu - faz com que a expressão dela fique bem marcada mesmo. Tenho encontrado bastante pessoas que militam nessa área de gênero com combinações como essa. Urano ajuda na parte ideológica de liberdade de expressão.
Mas temos realmente muito pouca coisa sobre a lua Negra, tanto na internet quanto na literatura em geral. O melhor livro que encontrei até hj sobre Lilith é o do Roberto Sicuteri, um psicanalista junguiano, "Lilith, A Lua Negra", da editora Paz e Terra, que tinha uma coleção muito bacana chamada Psique. Não sei se foi reeditado - esse meu exemplar é de 1985 - mas acho que vc encontra na estante virtual. Não é de astrologia, mas traz muitas boas análises sobre os significados desse feminino selvagem. "Mulheres que Correm com Lobos", da Clarissa Pinkola Estes, Editora Rocco, que vc deve conhecer, também fala muito e de maneira muito rica, sobre essa mulher que se recusa em ser domesticada, e como fazer bom uso disso. O resto é auto observação e troca de figurinhas com as pessoas ao redor. Afinal, tenhamos ou não consciência disso, temos todos uma sábia mulher selvagem ao nosso lado...