sábado, 29 de março de 2008

Marte: Você Tem Fome De Que?

Nosso vizinho vermelho é regente de Áries e co-regente de Escorpião, tem seu exílio em Libra, exaltação em Câncer e queda em Capricórnio. Seu movimento médio diário é de 0°12’, com ciclo de 1 ano, 11 meses e 26 dias.
Áries é o nome dado pelos Gregos ao Marte romano, e era, enquanto deus da guerra, considerado terrível e absolutamente destratado por aquele povo filosófico. Ele era fruto da raiva e do despeito de Hera, que se sentiu ultrajada ao ver seu marido Zeus parir Atená diretamente de sua cabeça, e por isso gera o deus da guerra sem recorrer a ele. Nas batalhas Áries tinha como escudeiros Dermos (o Terror), Fobos (o Medo) e Éris (a Discórdia). Esse grupo nem um pouco bonito de se ver, ao contrário do que se poderia esperar, não vencia todas as suas batalhas, e geralmente aparecem nos mitos como um grupo de tolos que são expostos ao ridículo: Atená atira em Áries uma pedra, como em um cachorro, e ele cai por terra “chorando como 10 mil homens”; dois simples mortais capturam o deus e o deixam preso em uma garrafa por 13 meses - assim como muita gente faz com a própria raiva -; enquanto amava Afrodite fica preso em uma rede feita pelo marido corneado - Hefesto - e serve de escárnio para os outros deuses, que vêm rir do ridículo espetáculo. Já Marte era honrado e respeitado pelo bélico povo romano, que o consideravam não só o deus da guerra, mas também da vegetação e da fertilidade, sendo cultuado na primavera. Mar, de onde deriva Marte, quer dizer brilho e o deus era comumente chamado Mar Gradivus “o brilho que cresce, que se torna grande”. Seus escudeiros eram Honos (a Honra) e Virtus (a Virtude). O desprezo grego e a reverência romana mostram dois aspectos desse planeta indicador da agressividade pessoal: um deles é a brutalidade estúpida, baseada no terror e que cria discórdia; a outra é aquela necessária para uma auto-afirmação saudável, que busca a independência e o crescimento pessoal com base na honra e nas virtudes próprias. A posição por casa e signo de Marte indica as formas com que os impulsos agressivos irão operar, nossa necessidade de atacar a vida de modo direto, de afirmar nossa liberdade e independência, assim como nossa tendência à beligerância e à competição, à paixões cegas e à acidentes. Sasportas chama Marte de “capanga do Sol”, pois ele representa o princípio do lutador solar, e também de qualquer planeta a ele relacionado.
É bem fácil encontrarmos o lado negativo de Marte em nossa sociedade. É só darmos uma olhada nos jornais para nos convencermos da necessidade que temos de um princípio de luta para enfrentarmos o mundo lá fora, que parece ameaçar nossa individualidade, nossos valores e até nossa sobrevivência física e psíquica. Na verdade Marte representa a força que desenvolvemos na luta para sair do útero e afirmamos nossa individualidade. Na Idade Média, Marte era considerado um princípio malévolo, e ainda hoje encontramos essa conotação em textos astrológicos mais “espiritualizados”. O reino da agressividade, da guerra e do conflito ainda é uma esfera espinhosa, difícil de encaixar num mundo perfeito, sendo realmente trabalhoso aprender a lidar com Marte de modo consciente e construtivo. Sem ele, entretanto, somos impotentes e vulneráveis e nos sujeitamos a receber uma boa surra do Marte dos outros. Esse planeta vermelho é quem nos dá a definição inicial da vida, que serve como instrumento básico da separação do útero e da coletividade. A maior dificuldade para conscientizar esse princípio é porque no momento em que assumimos certa postura em relação ao que somos, desejamos ou valorizamos, definindo-nos como entidades separadas, é impossível voltar atrás. Quando Marte é trazido à luz do dia e a declaração é feita, não pode mais ser desfeita - assim como não podemos voltar para o útero depois que respiramos sozinhos e nosso cordão umbilical é cortado - e é exatamente por que a ação marciana é absoluta e irreversível que muitas pessoas sentem dificuldade para lidar com ela. A principal característica de Marte é que ele não consegue se manifestar por rodeios e duplos sentidos para encobrir seus passos, simplesmente dizendo, como Lutero: “Eis-me aqui; e que Deus me ajude”. Quando Marte age, mesmo que se peça desculpa depois, nunca se voltará à fusão sem conflito anterior. Pode-se perceber isso claramente nos relacionamentos amorosos, quando a primeira briga sempre se torna um divisor de águas. No início do enlace amoroso, Netuno e Vênus presidem a corte, nos dando a impressão de que os dois corações batem em uníssono e “amar é nunca ter que pedir perdão”. Acontece que a única vez que experimentamos dois corações batendo juntos é quando estamos no útero, e quando Marte faz sua entrada, descobrimos que essa fusão cessa com o nascimento, seguindo-se uma discussão que define as identidades separadas de duas pessoas. Há sempre um lado nosso que teme usar Marte, pois quando agimos em nosso próprio benefício não há como voltar ao Jardim do Éden. Na jornada do herói há sempre aquela fase em que ele tem que enfrentar o dragão ou o irmão sinistro ou o inimigo mortal, e é nessa hora que precisamos fazer a entrada de Marte, com sua espada e o espírito de luta do herói. Há um ponto do desenvolvimento do Sol em que Marte deve ser evocado para defender a individualidade florescente, onde temos que nos definir como indivíduos separados contra todas as forças de atração regressiva da fusão com a mãe e o coletivo, cumprindo a tarefa implacável de analisar e definir a realidade de maneira objetiva, cortando-a para criar uma vida individual. Numa análise psicológica básica, as batalhas marcianas, a raiva, a agressividade e a afirmação do eu, são os implementos da separação da mãe e da formação de um ego individual nos primeiros estágios da vida. Essas emoções primitivas são as armas com que lutamos contra o dragão que toda mãe - por melhor que seja - se torna em certas fases do desenvolvimento do filho. A natureza primitiva e direta dessas emoções também confere uma clareza que só pode vencer o inimigo através de uma batalha de frente. A função marciana não consegue lidar com elementos misteriosos ou inimigos escusos - embora um Marte em água possa lidar melhor com confrontos indiretos. A natureza marciana pode ser insensível e bruta, mas é aberta, honesta e objetiva em essência, e, com isso, caso consigamos confiar na honra do inimigo, podemos lutar com igualdade e até perder com graça, retornando ao combate mais tarde. Mas não há como Marte se defender de uma facada nas costas, e não há faca escondida mais afiada do que a manipulação emocional. Podemos deduzir disso que um dos maiores problemas para a expressão saudável de Marte é a educação em um ambiente em que as brigas são veladas, onde a agressividade e o isolamento franco são coibidos e os esforços para se conseguir o que deseja são feitos por vias inconscientes. As doenças com fundo manipulativo - onde a raiva, a agressividade e a vontade são comprimidas em uma forma de controle velados mediante sintomas físicos - geralmente estão ligadas a um Marte aflito no mapa.
O herói que melhor traduz a natureza de Marte é Héracles - Hércules romano -, que era visto, tanto por gregos como por romanos, como o ideal de herói. Ele não era um sujeito muito inteligente, e sua jornada é repleta de erros, onde ele acaba matando quem não devia - como Hipólita, Rainha das Amazonas - ou ferindo amigos acidentalmente - como Quíron. Parece que ele sempre está coçando a cabeça e falando: “Ops, desculpe. Acho que exagerei um pouco”. Marte tem essa qualidade meio tola, mas é quando entra em batalha que mostra seus talentos. O padrão dos doze trabalhos de Hércules - que ele tem que se submeter por ter matado toda a sua família num ataque de loucura mandado por Hera - pode ser visto como uma série de mini mitos, sendo que cada um reflete uma faceta do treinamento de Marte. O ciclo dos doze trabalhos descreve as muitas facetas da batalha que devemos travar ao longo da vida, e como teremos que aprender a reagir através de um Marte rigoroso. Hércules completa seus trabalhos tendo aprendido a ser um pouco mais polido e autocontido, mas ainda sendo Hércules, e é o único herói que ganha um lugar no Olimpo em vez de ir para a Ilha da Bem Aventurança. A natureza marciana é, porém, anti-social: ele serve aos meus propósitos, e não aos da sociedade. Isso significa que, mais cedo ou mais tarde, a vida coletiva acaba temperando nossos instintos agressivos, já que ninguém é obrigado a agüentar o Marte estúpido de ninguém. Na melhor das hipóteses nos isolam, na pior, nos jogam na cadeia. Se conseguimos responder conscientemente aos desafios “equilibradores” do mesmo modo que Hércules aprendeu com seus trabalhos, acabamos aprendendo a expressar Marte de modo muito mais positivo, contido - não reprimido - e criativo.
Vamos olhar um pouco mais para o mito grego de Áres para entender as características dos nossos impulsos agressivos simbolizadas por esse planeta. Primeiramente, Áres não tem pai, é fruto de uma partenogênese de Hera, que está furiosa com o nascimento de Atená da cabeça de Zeus. Enquanto Atená não participa do reino do corpo e dos instintos, pois não tem mãe, Áres não tem um princípio paterno, sugerindo que ele não participa da dimensão intelectual do logos masculino. Isso faz dele um homem de instinto puro, sem a dimensão reflexiva ou simbólica. Assim, embora Áres seja inegavelmente fálico e macho, não participa do desapego dos deuses olímpicos. Podemos dizer que ele é lunar e ctônico, sendo descrito como um brutamontes de 100 metros de altura, peludo, mas que brilhava nas batalhas: ele é estúpido e desajeitado, mas tem luz sob a embriagues das lutas, e nada pode lhe fazer mal, lembrando o efeito na adrenalina e outras substâncias produzidas por nosso corpo em momentos de estresse, que parece nos tornar invencíveis, como que “possuídos” por um deus. A excitação da conquista deixa Áres sequioso por mais conquistas, e o único ser que consegue domar esse deus é Afrodite, por quem o senhor da Guerra se sente irresistivelmente atraído. É suficiente contar que o filho de Áres e Afrodite é Eros, o Cupido romano. Os mitos de Áres nos falam que estamos lidando com uma força instintiva básica e pura de sobrevivência, que encontramos tanto na agressividade quanto na sexualidade. Na Alquimia, Marte é o princípio do enxofre, geralmente retratado como um lobo, símbolo do instinto agressivo, da força vital básica em seu estágio bestial, antes da sujeição aos processos de transformação que resultam em sua humanização e que dá origem ao ouro alquímico. Isso pode ser traduzido como a forma primitiva e animal do Sol. O herói solar, antes de se tornar humano e desenvolver a capacidade de consciência reflexiva, é o lobo solitário, o enxofre que queima. Isso é facilmente observável na criança em torno dos dois anos, quando ela começa a se comportar de maneira horrível, com ataques desagradáveis e muitas vezes perversos. Essa fúria primitiva apresentada pela criança está ligada ao verdadeiro início da formação da individualidade, quando ela percebe que tem que lutar para conseguir o que quer. Essa fúria infantil dos dois anos precisa ser contida e temperada pelos pais, mas se for reprimida ou bloqueada por meio de culpas ou chantagens emocionais, dificilmente superará sua forma animal e o enxofre não se transforma. Quando isso ocorre acaba se descobrindo nos processos terapêuticos que ainda temos uma terrível criança de 2 anos solta no eu interior, como um vulcão ativo. Para transformar o lobo em rei, na Alquimia, corta-se suas patas e ele é colocado em um alambique selado e depois cozido, sem que seja morto, já que é divino, a forma animal do ouro alquímico. O lobo uiva e se agita muito, mas o alambique continua selado, senão não nasce rei algum e não se forma ouro. Isso pode parecer meio bárbaro, mas é uma imagem que apresenta o estranho paradoxo da educação de nosso Marte, que combina o reconhecimento de um grande valor com a necessidade de sofrimento para a transformação. É interessante nesse sentido lembrarmos o que ocorria em nossa infância quando nos sentíamos realmente zangados, e ver se conseguíamos expressar raiva e receber advertências sem nos sentirmos inúteis, ou então se a repressão era algo tão forte que simplesmente nunca sentíamos algo semelhante a raiva. Os pais não são responsáveis pelo nosso caráter básico e um Marte difícil no mapa não é “causado” pela forma como somos tratados. Mas o modo como nosso Marte é tratado pode fazer uma grande diferença na forma como tratamos essa nossa faceta na vida adulta, já que, de certo modo, a colisão entre o Marte de uma criança e o Marte dos pais acaba suscitando, no mínimo, uma raiva mútua, e, nesse caso, uma surra ou uma discussão feia pode ser muito mais saudável do que a profunda castração decorrente de ensinamentos que nos falam que a raiva e a agressividade são coisas ruins, indecentes e imorais em si. A culpa que vêm dessas mensagens é corrosiva, e de todo modo todos temos um pouco de culpa com relação a Marte, pois o deus da guerra é basicamente anti-social e tem cem metros de altura, não sendo interessante encontrar com ele numa ruela escura. Um Marte bloqueado significa uma enorme sensação de impotência e um sentimento de vitimização, o que representa uma grande raiva inconsciente que se expressa das mais variadas maneiras. Estudos americanos sobre depressão dizem que pensamentos com raiva ou fantasias sexuais são usadas por pessoas deprimidas para sair da cama, o que ilustra bem o que quero dizer.
Parece claro que se queremos um mundo mais harmônico e menos agressivo, é muito importante que entremos em contato com nosso Marte conscientemente, para assumir nossa individualidade e educarmos nossa criança guerreira.

Um comentário:

Federico Rico disse...

Parabéns e obrigado, Teca!

Aprendo muito de ti.

Vc é sabia mesmo. E que bom que nao acredite que o é porque assim aprende sempre mais e os demais aprendemos mais de vc. Nao como eu, tao cabezadura tantas vezes, ay!

Beijos na alma

Fridericum