domingo, 2 de março de 2008

NETUNO



Em 1841, observando Urano no céu, dois jovens astrônomos começaram a levantar a hipótese de que haveria um oitavo planeta orbitando o nosso Sol, pois o caminho uraniano parecia perturbado por algo que só poderia ser outro planeta, e não poderia ser nem Saturno nem Júpiter. Somente cinco anos depois essa hipótese foi comprovada por observações telescópicas. Ao se encontrar Netuno, também foi corroborada a órbita elíptica de Kepler, e tivemos que aceitar definitivamente que o Sol possui um companheiro invisível como foco do centro do nosso sistema. Nessa época, Helena Blavatsky, organizadora da Sociedade Teosófica, está fazendo suas viagens pelo Oriente, Allan Kardec visita mesas girantes, a parapsicologia está se tornando ciência e Charcot trata a histeria com hipnose. E assim tomamos consciência do novo regente de Peixes, que se exila quando no prático signo de Virgem, fica em queda no auto centrado signo de Leão e exaltado quando no coletivo signo de Aquário. Sua órbita ao redor do Sol dura quase 165 anos, ficando cerca de 13 anos e meio em cada signo, ou seja, praticamente o dobro de Urano.

Misticismo, ilusão, dissolução do ego e confusão são os termos mais utilizadas pelos astrólogos quando falam desse planeta que recebeu o nome de Netuno, o Senhores dos Mares, dos rios e das águas subterrâneas, conhecido como Poseidon pelos Gregos. Esse deus vivia em um palácio no fundo dos oceanos e podia emergir dos mares com a água se abrindo calmamente ao seu redor ou com furiosos vendavais e ondas assassinas. O elemento Água, em astrologia, é associado ao campo dos sentimentos e das emoções, que, como o deus, podem tanto ser plenos e divinamente inspirados quanto passar por cima de nós como uma onda gigantesca da qual não podemos escapar. O ser humano carrega em si uma ânsia por pertencer a algo maior e mais pleno do que a sua individualidade, e Netuno nos mostra a possibilidade de dissolver as fronteiras do que é separado e vivenciar a totalidade da vida. Mas a ambigüidade de sermos todos Um, embora separados, de sermos abençoados e malditos, de sermos seres com grandes potenciais, feitos à imagem e semelhança de Deus, mas também fracos e frágeis, capazes de regredir ao desamparo infantil e à inadequação humilhante, nos causa grande conflito. Como conseguir penetrar nessa confusão com a confiança de que esse é o caminho de transição para uma maior clareza e abundância? Novamente é Saturno - o princípio estruturante do eu - que faz a contraparte de Netuno. Possêidon era filho de Saturno, irmão mais velho de Zeus, e também foi devorado pelo pai temeroso de ser destruído. A idéia de desintegração da identidade individual é algo atemorizante, pois não sabemos o que somos sem ela, por isso nosso desejo de re-ligação com a totalidade da vida é cercado por tantas dificuldades. O mais comum é que entreguemos essas questões para o inconsciente. Como tudo que é jogado ao porão da psique acaba se disfarçando para aparecer na frente da casa, na área do mapa astral em que temos Netuno é comum encontrarmos situações onde não temos outra escolha senão sacrificar os desejos pessoais e aceitar as forças que não conseguimos mudar ou aliviar. A dor e a delícia de Netuno é a força com que ele despoja nossa vontade pessoal de seu sentimento de poder superior e de isolamento e, purificados, nos envia aos braços de algo amorosamente maior. Na área onde temos Netuno há uma fugidia lembrança do Paraíso Perdido e passamos a procurá-lo na terra, na crença de que ali estará nossa redenção. Barganhamos com Netuno nada menos que o êxtase absoluto, ficando invariavelmente desapontados quando o mundo exterior não nos oferece tudo aquilo que vislumbramos. Com amargura e feridos, olhamos para outros lados em busca de consolação - seja no divã do analista, no bar ao lado ou na igreja mais próxima. A desilusão de não obter o que se sonhava de Netuno pode ser o marco de entrada em outra dimensão de experiência se esse sofrimento fizer com que se volte para o interior em vez de buscar a redenção em uma realidade externa. É a descoberta de que a felicidade que procuramos está lá, escondida no indestrutível palácio de ouro de Netuno dentro do oceano.

Este é um planeta coletivo, que vai influenciar nos em nossa busca por redenção humana. Uma maneiras interessante de observar a influência de Netuno é através da moda, que nos mostra como as pessoas estão se “fantasiando” para mostrar com o que sonham. Quando usamos as lentes nebulosas de Netuno para observar a moda das ruas, o vestuário das tribos ou os desfiles de alta costura, podemos sentir, através dos símbolos, das cores, formas e texturas, como as pessoas estão abrindo mão da identidade única para se misturar àquilo que coletivamente se coloca como Belo. Quando se pergunta porque alguém se veste como se veste, a resposta geralmente se baseia em algum gosto subjetivo, o que também nos ensina muito sobre Netuno. Esse planeta nos coloca em meio a uma nuvem densa onde não conseguimos diferenciar o que é nosso, o que é do outro ou o que é coletivo, e, como quando dirigimos sob neblina, precisamos caminhar de faróis baixos, com calma e atenção, pois um caminhão pode simplesmente aparecer de uma hora para outra, como por encanto, e causar um acidente. É por conta dessa dificuldade, muitas vezes assustadora, que a casa que esse planeta comanda é onde procuraremos um salvador. Iremos nos comportar como vítimas, recusando responsabilidades e esforço pessoal, esperando que alguém apareça para tomar conta dessa área para nós. Há também a possibilidade da dinâmica contrária, fazendo-nos salvadores dos outros por causa da simpatia pela dor alheia dada por Netuno. Normalmente oscilamos entre um extremo e outro. Esse é um deus escorregadio e as coisas que pensamos desejar parecem nos escapar misteriosamente, dificultando a visão dos fatos e fazendo-nos escolher apenas o que dá sustentação à nossas fantasias, até o dia em que a realidade nos cai na cabeça tirando-nos qualquer pequena certeza.

Cristo é considerado o Mestre Netuniano - seu nascimento é tido como marco do início da Era de Peixes -, aquele que é ao mesmo tempo vítima e salvador, ensinando a redenção do pecado através do sacrifício total ao Amor Divino. Mas o simbolismo desse planeta me parece mais claro quando pensamos nos arquétipos femininos do Amor e da Compaixão, como a Virgem Maria católica ou a Kuan Yin e a Tara do Budismo. É em Yemanjá, porém, a Grande Mãe e Rainha dos Mares dos Iorubás, que encontramos mais elementos para entender Netuno. Diz a lenda que quando Yemanjá recebeu o mar como presente de sua mãe, Olocum, as águas salgadas eram tranqüilas e fonte de serenidade. Mas quando os humanos começaram a abusar e causar mau ao mar, a deusa foi em busca do auxílio de Olorum, Senhor dos Céus, e criou as ondas e marés para proteger seu reino e devolver à praia o lixo jogado em suas águas. Assim também quando não respeitamos nossas emoções e o trabalho a ser realizado para maior desenvolvimento da consciência, enchendo o inconsciente com aquilo que não queremos reconhecer de nós mesmos, receberemos de volta todo o medo, a confusão, os conflitos e distorções que essa negação gera em nosso interior. Mas se em lugar de usarmos nossas fantasias e sonhos para tentar escapar da responsabilidade pessoal e do sacrifício voluntário de nossas imagens idealizadas, usarmos essas inspirações divinas para mergulharmos nesse espaço onde a limitada mente racional não consegue entrar, poderemos ver que é exatamente onde nos acreditamos frágeis e vulneráveis que encontraremos as portas para uma maior sensibilidade criativa e afetividade amorosa. Só assim teremos como vislumbrar o coração amoroso da Grande Mãe em lugar de sermos jogados, cheios de desilusão, repetidamente na praia.

Nenhum comentário: