“Vida, que posso eu dar
A Meu Deus, que vive em mim,
A não ser perder-te, a fim
De O poder melhor gozar?
Morrendo O quero alcançar,
E não tenho outro querer,
Que morro de não morrer“
Sta. Teresa D’Ávila.
Semana passada houveram palestras produzidas pela CNA - Central Nacional de Astrologia - aqui em Floripa, e durante uma delas, em que se falava de Netuno, alguém da platéia lembrou que esse gigante nebuloso é a oitava superior de Mercúrio e não de Vênus, como alguns pensam. Isso tem rodado em meus pensamentos me fazendo refletir sobre a entrada de Netuno no signo de seu domicílio, nas confusões comuns ao se tentar entender esse planeta e as conseqüências disso tudo de maneira muito insistente, por isso resolvi escrever a respeito.
Para quem não está acostumado com essas expressões alquímico/esotéricas, as “oitavas” são uma maluquice maravilhosa onde se “vê” a matemática da música e da natureza. Pitágoras, que recebe título de grande mestre desses saberes, dizia que as oitavas musicais eram as expressões mais simples e profundas entre espírito e matéria. O “milagre da oitava” é que mesmo totalmente dividida em duas partes audíveis e distinguíveis separadamente, uma mesma nota musical permanece reconhecível - um Dó é reconhecível em qualquer altura da escala, p.ex. -, o que é uma manifestação tangível da máxima hermética “assim na Terra como no Céu”, o que aparece em cima é igual ao que aparece embaixo. Eu não sou conhecedora profunda nem de Alquimia nem de Música, por isso não vou ficar falando muito a respeito para não me perder, mas só para se ter uma idéia da coisa, essas escalas harmônicas vão mostrar todo um caminho para se ir de vibrações mais densas - mais ligadas à Terra - para mais sutis, e que hoje em dia pode ajudar pessoas leigas como eu a entender um pouquinho de medicinas tradicionais como a chinesa ou a indiana, ou os centros energéticos do corpo humano, como os chakras, as safiras da Cabala e todas essas coisas bacanas ligadas à saúde vibracional. Mercúrio, então, seria a compreensão de assuntos mais densos e Netuno dos mais sutis. A grande força de Mercúrio viria da possibilidade de conseguir fazer traduções de uma harmônica para outra.
Sempre que se fala de Netuno e sua descoberta, para daí derivar seus significados, citamos principalmente as descobertas psicológicas e parapsicológicas e o nosso despertar científico para as manifestações invisíveis, mas nem todos lembram - por incrível que pareça - de que é na época do avistamento de Netuno que começa a história da física e da química quânticas também. O “início” da descoberta de Netuno, digamos assim, se dá em 1841 com os cálculos astronômicos feitos a partir da movimentação de Urano, de onde se deduz a localização de mais um planeta, e Michael Faraday descobre os raios catódicos - aqueles feixes de elétrons que aparecem em filmes antigos de cientista maluco, sabe? - em 1838. A partir das pesquisas com esses raios catódicos temos a construção do conceito de “corpo negro” e no fim da década de 1870 se começa a trabalhar com a idéia de “feixes de partículas” e de “campos elétricos”, o que acabou dando material para que Max Planck levantasse a hipótese quântica em 1900. Só pra lembrar rapidamente, Planck é o primeiro a falar que o universo atômico era feito de elementos de energia discretos capazes de irradiar energia de maneira individual.
Com isso vemos que a descoberta de Netuno está associada às fantásticas mesas girantes que freqüentava Alan Kardec mas também aos corpos negros e feixes de partículas que físicos e químicos deduziam de suas observações. Netuno estava em Aquário enquanto Urano passeava por Peixes nessa época, o mesmo “duplo feitiço” que encontramos entre 2004 e 2011, quando Urano entra galopando em Áries. Entre os cálculos feitos em 1841 que “deduziram” a existência de um planeta para além de Urano e o avistamento de Netuno foram necessários 5 anos, o que, astrologicamente falando, significou a entrada de Urano em Áries e o encontro de Saturno com Netuno no início de Peixes. Da mesma forma, entre a descoberta dos raios catódicos e uma teoria consistente e “utilizável” mercurianamente tanto da mecânica quanto da química quântica, precisamos de um longo processo netuniano, e só quando ele chega em Gêmeos começamos a entender o que estávamos vendo.
Se pensarmos sobre esses processos na nossa história do conhecimento podemos entender melhor o que quer dizer isso de Netuno ser uma oitava acima de Mercúrio: enquanto o pequeno e rápido planeta próximo do Sol nos ajuda a entender, classificar e quantificar as coisas das esferas mais próximas de nossa experiência imediata humana, Netuno representa nossa capacidade de compreensão para além de Saturno, para além da nossa experiência em 3D, e do processo necessário para essa compreensão que envolve muito do nosso inconsciente coletivo. Mas então porque tanta gente continua a associar Netuno a uma esfera religiosa, algo que já entendemos que pertence às nossas necessidades humanas conectadas com Júpiter/Sagitário/Casa 9 mais do que com Netuno/Peixes/Casa 12? Tenho visto muitas pessoas fazendo essa confusão, então vamos tentar esclarecer um pouco isso também.
Quando estudamos os mapas individuais observamos que pessoas com problemas religiosos terão alguma coisa difícil envolvendo Sagitário, Júpiter e/ou casa 9. É bem comum pessoas com forte presença de Júpiter, por exemplo, se sentirem iluminadas e só quererem se conectar com outros iluminados, tendo muita dificuldade em lidar com “essas pessoas limitadas e comuns que não conhecem a Verdade” - ouvi isso de um cliente com esse tipo de dificuldade jupiteriana. Quando esse exagero não termina em um surto psicótico, com a pessoa se achando Jesus Cristo ou Buda, como no caso de Nietzsche (Ascendente, Lua e Cabeça de Dragão conjuntos em Sagitário e Júpiter em Peixes conjunto Urano como regente do tema natal), e ainda se encontra um grupo de iluminados que fazem juntos o “favor” de existirem nesse mundo limitado na tentativa de salvar a todos, existe aqui uma base que podemos chamar religiosa, no sentido mais literal da palavra, de crença em algo “sobre-natural", acima da média humana, que se manifesta através de doutrinas e rituais próprios, mesmo que nem se resvale na idéia de deus, mesmo se tratando de ateus convictos ou intelectuais reconhecidos. Já pessoas com problemas que se manifestam através de Netuno/Peixes/Casa 12 geralmente têm o problema contrário, de se sentirem muito abaixo da média humana, de terem uma forte atração por drogas que corroem sua personalidade e uma grande resistência a contaminações, físicas e psíquicas. É bem comum pessoas com forte presença netuniana se definirem na negativa, por aquilo que elas não são, e não conseguirem falar sobre exatamente aquilo que são. Muitas vezes se precisa de recursos visuais, poéticos e metafóricos para se poder entender e/ou expressar com seres fortemente netunianos. Interessante notar que as profissões em que mais encontro netunianos são entre músicos e engenheiros, enquanto os jupiterianos são mais comuns nas igrejas e academias filosóficas.
Outra maneira de se entender mais profundamente um planeta e seus correlatos de signo e casa, é através de Saturno, já que esse planeta exige nada mais nada menos do que a maestria para nos deixar em paz. Como já falei demais - pra variar um pouco... - não vou entrar nas complexidades dos relacionamentos de Saturno e Netuno ou de Saturno em Peixes, mas pensar um pouco sobre Saturno em casa 12 pode nos dar algumas pistas interessantes a respeito. O que mais encontro em pessoas que ganharam um Saturno de casa 12 ao nascer é uma dúvida muito profunda a respeito do própria identidade, mas não em função de algum trauma de infância ou algum familiar carrasco que humilhava a pobre criatura, mas em função de um saber inexplicável que faz com que a personalidade cotidiana e familiar que construímos na nossa realidade 3D e que colocamos em nossos cartões de visita sejam sem sentido. Saturno exige que essas pessoas concretizem essa visão e aí todos os problemas típicos de Saturno pra nos obrigar a amadurecer, e que geralmente faz com que essas pessoas tenham muito medo de perder aquilo que vislumbram na sua vida solitária por conta das necessidades de sobrevivência externas. Ou o contrário, de acharem que terão que abrir mão das ambições mudanas em função de uma compreensão mais profunda da própria existência. A astrologia tradicional fala muito de “exílio”, “internação”, e outras situações vistas como “castigo” ou “mau karma” quando tratam de Saturno na casa 12. Apesar disso tudo realmente parecer um castigo na adolescência, quando são despertados nossos impulsos jupiterianos e saturninos de incorporação aos grupos sociais, na verdade temos aqui a possibilidade de compreensão de como os saberes mercurianos, pessoais, fazem parte desse saber maior, anterior e posterior à experiência pessoal, que muitas vezes, inclusive, contradiz nossas experiências cotidianas. Entramos então na oitava netuniana, que nos faz entender que o Universo é infinito mas limitado, que a luz é onda e partícula ao mesmo tempo, que a matéria é feita de vazios. E o mais louco de tudo isso é exatamente a percepção de que com todas as limitações mentais e físicas que temos, somos capazes de compreender isso. Essa não é uma compreensão cotidiana - tente ver seu carro como uma porção de partículas circundada por vazio quando outro carro com a mesma composição atômica vem ao seu encontro, por exemplo, e vai perceber rapidinho que essa coisa não funciona na sua vida mercuriana do dia-a-dia. Mas isso não faz com que esse saber seja Mítico ou Religioso, mesmo que possamos jupiterianamente utilizar esses saberes para construir leis e comportamentos.
Então, escrevi tudo isso para chegar aqui no fim e entender que o que vai acontecer com a entrada de Netuno em Peixes é... NADA!!! Não nesse sentido mercuriano cotidiano, ao menos. A moda vai mudar e ficaremos mais fluidos, cheios de babados, rendas e assimetrias - depois desses 12 anos acreditando no corpo perfeito construído pela razão de Netuno em Aquário -, e talvez comecemos a pensar a respeito de todas essas maquininhas fantásticas que povoam nosso dia a dia, tão cobiçadas por crianças de 8 a 80 anos, que só chegam até nós graças ao trabalho escravo chinês. Talvez isso não faça a menor diferença. O que posso afirmar com certeza é que se uma jamanta desgovernada vier ao seu encontro vai ser importante você conseguir desviar, por mais amigos pleiadianos ou parcerias com Saint German que você tenha. Se rolar de você aprender com a jamanta desgovernada que a matéria é feita de partículas cercada de vazios, o melhor vai ser olhar em volta pra ver se encontra algum túnel de luz, tentar lembrar de algum antepassado bacana e não pensar em nada de ruim, pelo que dizem. Acho que vai ser difícil você voltar a ver o mundo através da dimensão mercuriana limitada...
Todos temos o signo de Peixes e Netuno no mapa, e você vai conseguir entender esses pontos quando se lembrar dos 2 segundos de paz e plenitude que sentiu “naquele” dia, ouvindo uma música, observando uma borboleta na flor, ouvindo a risada do seu irmão na sala, vendo uma criança desconhecida correndo na praia. Efêmero, profundo, sutil, generoso. Mas talvez seu Mercúrio estivesse tão ocupado fazendo as contas para comprar a casa/carro/comida/viagem de férias/escola das crianças/exame médico de rotina, que nem conseguiu registrar esse momento em que tudo fez sentido por 2 segundos. E se registrou, pode ter ficado achando que estava enlouquecendo ou se perdendo do que é realmente importe: se desviar da Jamanta. Mas porque tantas Jamantas vindo em minha direção? Será que estou na contramão?
Com a entrada de Netuno em Peixes não esperem ver o desenvolvimento de nenhum super poder ou transformação mundial através das crenças e comportamentos morais “corretos", mesmo achando o máximo todos os heróis e bandidos mutantes do cinema. Netuno é muito mais simples e silencioso, e não se importa com nossas necessidades representadas por Júpiter, que faz todo esse teatro divertido de fim de mundo por medo do que chama Caos. Agora, se você quiser aproveitar bastante toda essa força netuniana, a prática do silêncio e de estar consigo mesmo vai ser importante. Não se preocupe com os resultados. Quando se trata desse gigante nebuloso só entendemos realmente o que aconteceu depois de um tempo que não pode ser determinado, pois é diferente para cada um, não tem nenhuma conexão com méritos ou algo que possamos entender, e quando finalmente vemos que há um processo que se completa é porque já podemos sentir algo novo começando.
Quem sabe podemos chegar a uma compreesão mais profunda dessa vida feita de Caos e Movimento daqui a algumas décadas...
6 comentários:
Excelente seu post, abraço Cynthia
Obrigada, Cynthia, abraço
Teca,
Sou estudante de astrologia e adorei seu blog. Estou lendo diversas postagens. Gostei da forma clara como escreve trazendo luz aos ensinamentos dos astros. Acho que pra ficar melhor, só falta dar continuidade.
Parabéns pelos textos!
Tudo de bom para vc!
Oi Neuza, fico bem contente quando estudantes de astrologia aproveitam o que escrevi. Esse blog começou exatamente por conta dos meus alunos. Esse intervalo absurdo é resultado do monte de coisas que esse ano acabou me reservando, mas já estou providenciando uma folga pra poder voltar a escrever com mais regularidade novamente. Obrigada.
Teca, sou uma leonina Netuniana e recentemente descobri seu blog, por onde estou gostando muito de navegar.
Poderia aprofundar o comentário que fez sobre o lado jupiteriano-exacerbado de Nietzsche? Fiquei intrigada. Ao seu ver, ele vivenciava esse arquétipo de forma desequilibrada?
Grata pelos textos inspiradores.
Gde abraço!
Oi Fernanda
Eu sou uma encantada pela filosofia de Nietzsche, sinto que ele fala desde uma visão inspirada sobre o ser humano, do seu potencial de crescimento ilimitado até o que ele chama de Deus. Isso está conectado com esse Júpiter em Peixes que busca uma expansão para além dos limites dados social e moralmente. Isso é lindo e inspirador e podemos sentir - mais do que saber - a verdade que há nisso. A conjunção desse Júpiter com Urano em Áries (esse que andamos vivenciando nos últimos anos) cria uma urgência de mudanças, de viver as potencialidades que se vê no futuro. E essa combinação que já é em si bem difícil de viver dentro de uma sociedade como a europeia no fim do século 19 (hoje também é, não nos enganemos com nossas "mudernidades"), está em oposição à Marte conjunto Mercúrio no MC; podemos traduzir isso como uma mente rápida e que busca estímulos constantes. Isso tudo pode trazer muito caos mental, e acredito que os bons aspectos que essa oposição tem com Saturno em Aquário deve ter ajudado muito a dar forma a tantas ideias revolucionárias através de seus escritos. Os aforismos que ele usava tanto é uma boa amostra de como essa combinação pode organizar pensamentos. Mas esse mesmo Saturno enquadra com um Sol em Libra em oposição com Plutão em Áries e isso significa ter que trabalhar com frustrações bem pesadas na hora de criar a si mesmo, e se a solução encontrada for a de se apoiar nesse Júpiter/Urano, o resultado pode ser um rompimento da personalidade para mergulhar nesse Universo pisciano sem limites.
Deu pra entender?
Abraços, e grata pela questão
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