terça-feira, 7 de julho de 2009

Trânsito de Netuno

"Quereis ser felizes, sei disto. Dai-me um homem que seja ladrão, criminoso, fornicador, malfeitor, sacrílego, manchado por todos os vícios, soterrado por todas as torpezas e maldades, mas não queira ser feliz. Sei que todos vós quereis viver felizes, mas o que faz o homem viver feliz, isso não quereis procurar. Tu, aqui, buscas o ouro, pensando que com o ouro serás feliz; mas o ouro não te faz feliz. Por que buscas a ilusão? E com tudo o que aqui procuras, quando procuras mundanamente, quando o fazes amando a terra, quando o fazes lambendo a terra, sempre visas isto: ser feliz. Ora, coisa alguma da terra te faz feliz. Por que não cessas de buscar a mentira? Como, pois, haverás de ser feliz? “Ó filhos dos homens, até quando sereis pesados de coração, vós que onerais com as coisas da terra o vosso coração?” [Sl 4,3] (...). E por que amais a vaidade e procurais a mentira? Querendo tornar-vos felizes, procurais as coisas que vos tornam míseros! Engana-vos o que descaiais, é ilusão o que buscais.
Sto. Agostinho – Sobre a Ressurreição de Cristo Segundo São Marcos

Netuno, o Senhor dos Mares e das Águas, é, dos planetas coletivos, o que age através das forças mais sutis do inconsciente. A água é um dos símbolos do reino das emoções, do feminino, do útero e do princípio da vida. “Toda a vida vem da água”, diz o Alcorão. Se Urano rompe as barreiras do ego através de suas fortes imagens de liberdade, Netuno irá dissolvê-las através de sentimentos de transcendência experimentados através de grandes confusões, mas também de uma magia que nos atrai por sua beleza. No mapa natal, a presença de Netuno costuma marcar um ponto onde temos a tendência a confundir realidade e ilusão, onde experimentamos certo desejo de escapar, de nos dissolver, e onde costumamos ter uma postura passiva. Mas também é por esse ponto do mapa que exercitamos uma maior sensibilidade e receptividade, por onde a música, as imagens, as historias e todas as formas de arte podem entrar e ganhar uma compreensão profunda, transmutadora.

A descoberta de Netuno coincide com o florescimento do Romantismo na arte, na literatura e na música, onde o amor e a paixão têm uma natureza trágica de sacrifício, os amantes só se encontram na morte, e compositores como Brahms, Beethoven e Schubert, por exemplo, emocionavam através de tons menores. Também é nesse período que Freud se volta para as imagens dos sonhos e muitos cientistas estão tentando explicar fenômenos extra-sensoriais de maneira objetiva. Tanto Teosofistas quanto Transcendentalistas trazem a filosofia oriental para o ocidente, e estudos que pareciam esquecidos, como a Cabala ou a astrologia, ressurgem e são reintroduzidas no meio culto da época. Isso aponta para a idéia de que Netuno traz à consciência um impulso para compreender o incompreensivel, e até mais que isso, uma necessidade de experimentar algo vago e de difícil apreensão pela razão, mas que contem a promessa de se encontrar “face a face com Deus”. Não é coincidência que Freud tenha chamado esse impulso de “sentimento oceânico”.

Uma das maneiras que se tem de entender Netuno é através da moda, pois nessa área encontramos aquilo que coletivamente é visto como belo, atrativo ou elegante. É interessante notar que até pessoas que se vêem de maneira altamente individualizada seguem o estilo vigente na época, e se perguntadas do porque disso, não saberão responder ou darão uma justificativa bem vaga. Podemos nos perceber passando de roupas bem estruturadas para transparências esvoaçantes, de filmes de ficção científica para dramas políticos, da festa lá no meu ap para cada um no seu quadrado, e existem estudos astrológicos bem bons a respeito de Netuno e esses anseios, desejos e sonhos traduzidos em imagens que consumimos avidamente durante um período.

O cabalista Warren Kenton relaciona Netuno ao ponto mais alto da Árvore da Vida, onde o Homem toca o inefável, o máximo que podemos chegar na compreensão do mistério da divindade. Ali, o senso solitário de indivíduos separados se dissolve em uma experiência de unidade e êxtase. Quem entendia bem dessas intimidades com Deus era Santa Teresa D’Avila, que clamava “muero porque no muero” com Netuno na cúspide de seu ascendente. Pois falar de Netuno também é falar de morte, do imenso mistério que é a morte. As crises, raivas e medos ligados às mortes simbólicas que nós, viventes, temos que passar durante a vida, e mesmo os temores quanto à própria morte e as dores da perda de alguém que se está ligado, parecem estar mais conectados a Plutão, porém esse término do corpo físico e o imenso mistério sobre o que acontece com a consciência após esse fim, independente das crenças individuais, fazem parte dos reinos netunianos.

Os trânsitos de Netuno tornam as coisas nebulosas e são difíceis de serem percebidos de uma maneira direta, já que ele não faz tanto barulho quanto seus irmãos transaturninos, nem impõe tarefas, como Saturno ou Júpiter. Em geral, Netuno vai tocando nosso mapa e tirando nossa sintonia consciente. Ficamos mais desligados e esquecidos, e muitas vezes não conseguimos ver ou entender com clareza aquilo que está sendo trabalhado pelo Senhor dos Mares. Assim como Urano e Plutão, Netuno impõe o abandono de velhos hábitos e modelos que impedem o desenvolvimento, e novas formas de lidar com problemas antigos podem vir à tona, transformando a maneira como encaramos o mundo. Como esse planeta nos deixa com um ponto cego, é preciso desenvolver a intuição para caminhar. Netuno tanto inspira quanto ilude, e é preciso entender onde estamos vivendo uma coisa ou outra. Toda vez que tentamos agarrar as inspirações netunianas, ela nos escapa como água entre os dedos, e nossas fantasias e ilusões se transformam em perda de esperança, falta de energia, insônia e falta de objetivo. É aí que geralmente vamos apelar para algum aditivo para escapar da desilusão, e a fama de abusar das bebidas e das drogas de Netuno costuma atuar. Se, porém, entendemos que essa beleza e magia netuniana não é algo para diminuir nosso sofrimento humano, mas algo para inspirar uma existência em sintonia com algo misterioso que vai além da nossa racionalidade, e desenvolvemos flexibilidade para incorporar isso em nossas vidas, podemos descobrir um caminho em que temos menos controle mas que é bem mais fácil. Então, antes de “enfiar o pé na jaca” por conta de um trânsito de Netuno, tente dançar, ouvir música, brincar com tintas ou conversar com Deus, para entender o que esse reino quer realmente te dar de presente em vez de ficar exigindo que os deuses te dêem aquilo que você acha que quer. Eles sabem melhor que você aquilo que você precisa.

2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei o texto, estou estudando os efeitos de Netuno retrógrado voce poderia dar uma opinião sobre este tema.

Grata

Teca Dias disse...

Oi Anônima
Precisava mesmo fazer uma postagem sobre os planetas retrógrados, e o que ando observando sobre eles, mas como ando sem tempo pra me dedicar ao blog, vou te dar umas dicas a respeito do Netuno retrógrado, tá? Durante seu transito,qdo em movimento direto, Netuno traz essa neblina densa que nos deixa confusos e muitas vezes sem direção. Quando ele retrógra o que acontece é que a gente percebe que se continuar a andar sem rumo, ficaremos dando voltas sobre a mesma coisa, e então paramos para tentar achar algum ponto de direcionamento diferente. O que tenho visto de mais comum em pessoas com Netuno retógrado em destaque no mapa natal, é que elas conseguem perceber que há coisas que não podem ser traduzidas pela nossa racionalidade mundana, e são um tanto refratárias às explicações religiosas ortodoxas para isso. Aquelas que conseguem acreditar e desenvolver a intuição para lidar com a área envolvida por esse Netuno retrógrado, geralmente conseguem mais facilmente do que os com esse planeta direto, separar o que é real e o que é apenas ilusão desse planeta.
Prometo falar mais longamente sobre isso algum dia, tá?
Abraço