domingo, 7 de setembro de 2008

Quiron: A Visita do Sábio

Como já falei de Mercúrio quando tratei de Gêmeos, aqui vou expôr um pouco sobre Quiron, esse astro que chegou ao nosso sistema solar trazendo novidades do espaço exterior para astrônomos e astrólogos.
No dia 1 de novembro de 1977 o astrônomo americano Charles Kowal descobriu na constelação de Touro, entre Saturno e Urano, um pequeno corpo celeste muito brilhante e de cor avermelhada que recebeu o nome de Quiron. Primeiro os astrônomos o classificaram como asteróide, mas nos anos 80 descobriram que Quiron possuía uma névoa de gás ao seu redor e passaram a considerá-lo um cometa capturado. Mais tarde, com as observações do telescópio Hubble, verificaram que essa névoa de gás de Quiron estava firmemente preso a ele e não era empurrada para trás quando o corpo celeste se aproximava do Sol, como ocorria com os cometas. Além disso, Quiron era muito maior que um cometa comum, com cerca de 160 km de diâmetro (o cometa Harlley tem cerca de 10 km de diâmetro atualmente, para se ter uma idéia), e então criaram uma nova categoria de corpo celeste, os asteróide-centauros, que já possui cerca de 29 corpos registrados. Esse recém chegado também possui uma órbita bem excêntrica, se aproximando ora de Saturno, ora de Urano, em uma revolução em torno do Sol de aproximadamente 50 anos. Muitos astrônomos e astrólogos consideram Quiron um “visitante”, que não pertence realmente ao nosso sistema solar e um dia irá nos deixar como um cometa. Mas enquanto isso não ocorre, astrólogos estão constando influências muito interessantes desse asteroide-centauro nos mapas astrais.
Desde o avistamento de Urano constatamos que a descoberta de um novo astro está associado a alguma mudança na consciência humana. Como se trata de algo que surge do inconsciente e Quiron leva 50 anos para completar sua volta pelo zodíaco, ainda levará algum tempo para termos uma compreensão mais completa do seu real significado, mas observando o que estava acontecendo durante o fim dos anos 70 podemos começar a pensar a respeito. Em 1978 nasce o primeiro bebê de proveta, Louise Brown, e o vírus SV40 tem seu genoma determinado, começando a caçada atrás do genoma humano. A maioria dos astrólogos associam a chegada de Quiron ao desenvolvimento das terapias alternativas, da medicina natural e da visão holística da saúde com bases empíricas e científicas, diferente da visão holística do Renascimento, que o fazia sob uma base mais filosófica e mística. Isso mostra que Quiron nos trouxe uma necessidade de maior compreensão a respeito do que é o Ser Humano, penetrando em suas estruturas mais básicas.
A primeira questão que surge é a respeito de qual signo regeria o novo astro. Devido sua forma de centauro e sua condição de mestre, muitos associam Quiron a Sagitário, mas Júpiter ainda parece muito mais apropriado à natureza expansionista do mutável de fogo. Já vi argumentos ligando Quiron a Touro, por sua conexão com a natureza corpórea e instintiva, mas acho muito difícil ver na busca por prazer taurino, tão bem representado por Vênus, a dor e sofrimento de Quiron. E há aqueles que associam Quiron a Virgem, entre os quais tendo a me incluir. Além da associação mais imediata entre Quiron, a saúde e a sabedoria prática, o fato central que parece ligar o astro no mapa astral, a mitologia e a nova consciência que surge é a ferida criada por uma cisão entre nossa natureza corpórea e nossa busca por expressão divina, que também faz parte do processo de Virgem. Polêmicas à parte, para se saber algo sobre Quiron precisamos nos voltar para a mitologia tentando descobrir suas características arquetípicas, para então deduzir seus efeitos na astrologia e na carta natal.
Do grego Kheíron, seu nome significa “que trabalha ou age com as mãos”, que era a maneira como eram conhecidos os cirurgiões, e esse centauro era aclamado pelos poetas principalmente por sua capacidade médica. Filho de Cronos (Saturno) e de Fílira, uma das filhas de Oceano, Quiron é concebido quando o Titã assume a forma de um cavalo para se unir com a oceânida, e por isso a criança nasce com essa dupla natureza, metade humana, metade eqüina. Ao dar à luz, Fílira fica tão perturbada que roga aos deuses que a livrassem da responsabilidade pelo filho de qualquer maneira; e eles a atenderam levando a criança e transformando-a num limoeiro ou em uma tília, segundo outras versões. Educado pelos deuses, Quiron vivia em uma gruta, no monte Pélion, e se torna uma espécie de gênio benfazejo, amigo de deuses e homens. Sábio e mestre, ensinava música, mântica, arte da guerra e da caça, moral e, sobre tudo, medicina aos seus discípulos, sendo que todos os heróis, como Teseu, Jasão, Hércules e Asclépio, passaram por suas mãos. Ele sempre foi considerado um médico ferido - pela estranheza de sua forma, pela rejeição de sua mãe -, que compreendia seus pacientes por conhecer sua própria ferida. Mas é quando Hércules, sem querer, fere seu pé, que seu mito ganha a dimensão trágica que o caracteriza. Quando do massacre dos centauros feito pelo filho de Alcmea, Quiron acaba sendo ferido por uma flecha envenenada pelo sangue da Hidra, e, por mais que o centauro aplicasse ungüentos e tentasse utilizar seu conhecimento para se curar, a ferida se mostra incurável. Recolhido à sua gruta, ele deseja morrer, mas nem isso consegue, por ser imortal. Cheio de dor, Quiron roga aos deuses pela benção da morte, e eles concordam com que Prometeu, que nascera mortal e estava amarrado à uma pedra tendo seu fígado comido por ter dado o fogo aos Homens, fosse solto por Hércules e cedesse a sua mortalidade ao centauro, e assim ele pode finalmente descansar.
A primeira coisa que podemos tentar associar ao posicionamento de Quiron na carta natal, é uma maior sensibilidade à rejeição, onde fomos feridos ou machucados de alguma forma e que, através dessa experiência, obtemos uma sensibilidade à dor e um autoconhecimento que nos capacita a entender e ajudar os outros. Outra observação imediata é a respeito da dupla natureza de Quiron, metade humana, metade animal, que provoca estranheza e é a razão da perturbação materna. Simbolicamente todos nós possuímos esse conflito, entre uma natureza animal, física e instintiva - que fica doente, que tem necessidade básicas quotidianas, que tem raivas e paixões - e uma natureza humana ou divina, que se preocupa com a existência mais abstrata, que caminha pelas idéias e pela imaginação, que não se prende a espaço e tempo. Quiron pode estar mostrando, nesse sentido, onde a consciência de estar num corpo físico distinto, portanto com uma consciência separada da unidade total com a vida, pode ser conflituosa; ou seja, onde os desejos e anseios do nosso corpo terrestre e os impulsos da alma se encontram na forma de angústia. Em um livro sobre a formação do terapeuta - Poder e a Ajuda Profissional -, Adolf Craig afirma “que o paciente tem um médico dentro dele mesmo, mas (...) também o médico tem um paciente dentro de si”. Essa parece ser a melhor linha de raciocínio para a compreensão do Quiron na carta astral, onde ele é símbolo do curador que está em contato com a própria dor e fraqueza, e por isso é capaz de ajudar seus pacientes ao direcioná-los para o curador que existe dentro deles. Nas primeiras pesquisas sobre o novo planeta, muitas vezes ele foi encontrado com destaque em mapas de terapeutas e também em pessoas incapacitadas fisicamente que acabaram direcionando suas vidas para ajudar outras pessoas a superar as próprias limitações.
Outra característica do mítico centauro Quiron é a sua função de mestre formador dos heróis, não só quanto às habilidades práticas, mas também quanto à formação religiosa ou moral, ou seja ele era também um educador da alma. Isso nos faz pensar que uma das função do Quiron astrológico é de iniciador, fazendo nos passar por uma série de ritos que, assim como o futuro herói, fazem com que se adquira a indumentária espiritual necessária para poder enfrentar todos os monstros e criaturas que surgirão pelo caminho. Mitólogos como Junito de Souza Bradão, Joseph Campbell e Micea Eliade vêm nas histórias heróicas os reflexos dessa iniciação, onde temos coisas como o corte de cabelo, a mudança de nome, o mergulho ritual no mar, a passagem pela água e pelo fogo, a descida ao Hades e o penetrar no Labirinto, a hierogamia como alguns exemplos. Lembramos, então, que Quiron é um transaturnino, portanto um planeta que traz informações do inconsciente coletivo e nos mostra algo que vai além das ilusões individuais. Liz Greene observou que as crises e dificuldades da casa onde se encontra Quiron parecem estar totalmente fora do controle do indivíduo, e as mudanças que ocorrem em seus trânsitos e progressões acabam por expandir a consciência da pessoa que se encontra sob sua ação. Crise, para os chineses, é traduzida como uma combinação de perigo com oportunidade, pois envolve tanto elementos desconhecidos quanto a possibilidade de crescimento. A doença parece ser o fator mais freqüente nas crises regidas por Quiron, e geralmente o tipo de doença que pede uma compreensão profunda de suas origens e significados. É comum também crises religiosas e espirituais, e já se observou que algumas vezes Quiron está associado à morte dos pais. Essas coisas parecem estar ligadas diretamente à face de iniciador de Quiron. Nas iniciações sempre se perde algo - o cabelo, o nome de nascimento - e se é obrigado a enfrentar o medo - entrando no Labirinto ou indo ao Hades, mergulhando no mar ou atravessando o fogo - como formas de se adquirir uma nova personalidade capaz de enfrentar os perigos do caminho. Essa perspectiva simbólica mostra que os acontecimentos exteriores são mais reflexos de profundas transformações interiores do que causas, mas só podemos realmente compreendê-las quando a vivemos através de um acontecimento externo que transforma o padrão de vida. Quiron nos capacita a encontrar significado em nossas dores e sofrimentos de modo a nos tornarmos mais sábios, pois sentimos que há um profundo significado que precisamos entender para continuar caminhando. Com Quiron, porém, mesmo com esse aumento de consciência, a ferida, o buraco existencial que penetramos, não se fecha, e de tempos em tempos dói novamente e nos obriga a novo mergulho em nós mesmos. Esse processo de penetrar na nossa dor nos torna mais sensíveis à dor do outro, e desenvolvemos a verdadeira compaixão - que não tem nada a ver com pena - e podemos realmente ajudar o nosso próximo que sofre.
Certa vez li que o contrário de Morte não é Vida, é Nascimento: nascer e morrer fazem parte da Vida. Acredito que Quiron vem nos ensinar a vivenciar esses opostos sem julgamentos de valor, e isso pode nos ajudar a sair de uma existência dual em conflito para uma totalidade amorosa. Esse é o caminho para a Iluminação que anunciam os budistas, e talvez Quiron esteja nos fazendo trilhar o caminho do Bodisathiva, que fez o voto de, mesmo se iluminando, não entrar no Nirvana enquanto todos os seres não se iluminarem também, pois em sua Compaixão faz do sofrimento de todos os seres seu próprio sofrimento. Afinal, hoje sabemos que habitamos todos o mesmo planeta, e ou nos salvamos todos, ou nossa espécie pode ser extinta.

2 comentários:

karina disse...

Tremendamente significativo este texto. Muito Obrigada pela pesquisa e clareza na forma de redigir. Por todas as perolas que podem nos ajudar a culminar o nosso colar de busca interior. Não para um término e sim para um novo começo. Obrigada!

Teca Dias disse...

Obrigada vc, Karina. Poder compartilhar a existência é um privilégio...