“O mundo do dançarino é alcançado por dias e dias de
trabalho, semanas de trabalho, anos de trabalho. É aqui no estúdio que o
bailarino aprende seu ofício. O domínio de seu instrumento que é o corpo
humano. Seu objetivo é a liberdade, mas a liberdade só pode ser conquistada
através da disciplina. Disciplina imposta por você mesmo, sobre você mesmo. Ou
o pé está esticado ou não está. Nem uma porção de sonhos o esticará por você.”
Martha Graham, bailarina contemporânea com Plutão em Trígono
com Saturno.
Tenho aprendido muito esses anos em que o planeta Saturno
atravessa o signo de Escorpião, principalmente com pessoas que estão passando
pelo retorno de Saturno nesse signo. Em finais de 1981, Saturno inicia um processo
de conjunção com Plutão nos últimos graus de Libra que vai até outubro de 1983,
com Saturno já em Escorpião. Então, nos últimos três ou quatro anos, venho
conversando com muita gente que ao enfrentar o retorno de Saturno também tem
que enfrentar questões plutonianas. Agradeço muito a todos pela confiança e
aqui vai um pouco do que andei conversando e pensando por aí sobre isso.
Tanto o retorno de Saturno quanto suas temporadas
desafiantes anteriores, a cada sete anos aproximadamente, representam iniciações
à vida adulta. São tempos em que temos que sacrificar confortos lunares e
familiares em nome de uma maior participação no universo social mais amplo. A
primeira oposição de Saturno por volta dos quinze anos costuma ser
particularmente difícil e marcante porque o adolescente sabe que tem que
sacrificar sua infância para poder entrar na “tchurma”, e para isso ele
acredita ter que esconder muito profundamente (principalmente de si mesmo),
todo o medo e insegurança que tem para não se sentir humilhado. Aí começam seus
problemas com Saturno e a compreensão equivocada sobre o que é o mundo adulto. É comum mães aflitas de adolescentes nessa
fase de oposição me procurarem porque seus filhos, que eram muito cordatos e responsáveis, começam a ir mal na escola e
passam a se comportar de maneira agressiva dentro e fora de casa. Por mais
solidária que eu possa ser com as aflições maternas por vivermos em uma
sociedade profundamente desigual e violenta, do ponto de vista simbólico essas
pessoas estão em busca de instruções para a vida adulta, precisam se arriscar
para além da proteção lunar, e se estão se comportando dessa maneira
“revoltada” provavelmente aprenderam em casa e no meio em que vivem que essa
era a maneira para enfrentar a dor inevitável da vida. Lembrando que as
crianças não aprendem através dos discursos politicamente corretos que fazemos
para elas, mas através das atitudes, das brigas, reclamações e climas entre os
pais, da maneira como os pais lidam com frustração e com os “outros”, com os
comentários maldosos e “divertidos”, com a forma como se torce no jogo de
futebol ou como se dirige no trânsito. Outra coisa que costuma se manifestar de
maneira intensa porém inconsciente nessa fase, é a vida não vivida pelos pais, como
diz Jung em O Desenvolvimento da
Personalidade (CW XVII, Ed. Vozes, pg 47, par 87): “Via de regra, o fator
que atua psiquicamente de um modo mais intenso sobre a criança é a vida que os
pais ou antepassados não viveram (pois se trata de fenômeno psicológico atávico
do pecado original). Essa afirmação poderia parecer algo de sumário e
artificial sem esta restrição: essa parte da vida a que nos referimos seria
aquela que os pais poderiam ter vivido se não a tivessem ocultado mediante
subterfúgios mais ou menos gastos. Trata-se pois de uma parte da vida que (...)
foi abafada talvez por uma mentira piedosa. É isso que abriga os germes mais
virulentos.” Um ótimo filme que fala sobre isso é Em Um Mundo Melhor (Haevnen
em Dinamarquês, que significa Vingança), da diretora Susanne Bier, de 2010.
Então o que fazer quando se revela uma grande ilusão a
crença de que se você fosse um(a) bom(a) filho(a) seus problemas desapareceriam?
Isso é muito frustrante, já que gastamos muito tempo da nossa infância
aprendendo a reagir a nossos pais para conseguir o que queríamos e
precisávamos, nos apoiando em nossas Luas. Precisamos entender que a “adultice”
rebelde que se coloca no lugar também tem resultados problemáticos, já que superar
as emoções infantis implica em saber reconhecê-las, não negá-las. Chega um tempo
em que precisamos ver que o anseio por uma existência livre de problemas deve ser
posto de lado em favor da aceitação madura da responsabilidade pela própria
vida, e essa mudança constitui não apenas a ativação da consciência adulta, mas
também uma forma de escolha. Esse é o significado mais profundo de Saturno, e é
nesse sentido que ele ganha sua merecida fama de exigir sacrifício e trazer
dificuldades.
Sacrifício é um tema mitológico poderoso encontrado em quase
todas as culturas, um padrão arquetípico que exige a desistência de alguma
coisa para que algo maior seja conquistado. Saturno é exatamente aquele que
exige o abandono da dependência da infância em favor do domínio de si e da
criatividade da vida adulta, mas fazer isso cortando o contato com o que se
sente costuma gerar o oposto do que se busca, pois então nos deixamos abusar e
nos tornamos abusadores. Simbolicamente falando, Saturno tem que ser o elemento
complementar, o parceiro da Lua, e não seu inimigo ou substituto. Mesmo assim é
o caminho mais comum que as pessoas costumam escolher. Como não temos mais os
velhos sábios nessa sociedade que venera a juventude, as crianças acabam tendo
que fazer suas iniciações entre si mesmas, o que é bem triste e sofrido. Quando
vejo esses pais com medo da raiva dos filhos e/ou querendo “poupar” seus filhos
do enfrentamento com a vida adulta, penso no que será que essas crianças terão
que viver no retorno de Saturno para que possam assumir o fardo de sua jornada
individual, com toda a dor e solidão que ela necessariamente traz. Como diz
James Hollis, analista junguiano, ao falar da cura do masculino em Sob a Sombra de Saturno (Ed. Paulus,
coleção Amor e Psique): “nenhuma outra pessoa, nem seus pais nem sua tribo,
poderia poupar-lhe esta jornada porque senão também estariam roubando sua
capacidade de lutar e alcançar seu pleno potencial”. É essa iniciação que os
adolescentes buscam na época da oposição de Saturno, e isso lhes é negado há
muuuitas gerações. Uma imagem que me parece boa para ilustrar essa carência de
iniciação adulta é o “fenômeno” dos jovens milionários: homens que antes dos 30
anos já conquistaram tudo aquilo que se diz ser importante (que se traduz por
dinheiro, muuuito dinheiro), que surgiu nos anos 90, com Urano e Netuno em
Capricórnio, em trígono com Plutão em Escorpião. Que tal uma sociedade que tem
como imagem de sucesso um menino branco, mimado e cercado de brinquedos? Você
acha mesmo que isso trará verdadeira segurança?
Desde o início da Era Industrial somos ensinados a entregar
nossos corpos e almas em troca de dinheiro para sobreviver, e agora nós e
nossas crianças estamos nos dando conta de que temos que lutar para
recuperá-los, pois esse preço é muito alto. Quando a nossa consciência muda, as
nossas vivências simbólicas também mudam. Isso tem sido muito bonito e
assustador de ver.
Uma das coisas importantes que aconteceu quando deixamos de
ser tribais para construir civilizações, sociedades mais amplas e
diversificadas, foi a perda gradual das iniciações masculinas, que transformava
meninos em homens. Para se ter uma ideia de até onde fomos nisso, um livro
lançado nos Estados Unidos no final dos anos oitenta com dados de uma ampla
pesquisa feita durante mais de 10 anos, nos anos sessenta e setenta, citado em Finding Our Fathers: How a Man’s Life Is
Shaped By His Relationship Whith His Fathers (“Encontrando Nossos Pais:
Como a Vida do Homem é Moldada Pela Sua Relação com Seu Pai”, em tradução
livre, ainda não publicado no Brasil), de Samuel Osherson, indica que apenas
dezessete por cento dos homens norte-americanos tiveram relacionamentos
positivos com os pais. Na maioria dos casos o pai estava morto, divorciado e
ausente, quimicamente debilitado ou emocionalmente distante. Se essa
estatística estiver ao menos perto da verdade e puder ser generalizada, isso
significa uma quase total ausência de referencia masculina. De fato, é
impressionante a quantidade de pessoas que foi criada quase que exclusivamente
pelas mães ainda hoje em dia. É
compreensível, então, que muito do que construímos tenha como função substituir
e/ou denunciar esse masculino que falta. Novamente, quem nos separa do universo
materno infantil e nos leva até o mundo mais amplo adulto é aquilo que a
psicologia analítica chama de Arquétipo do Pai, ao qual se liga Saturno, e que
em nossas vidas ganha os primeiros contornos através da referencia de
autoridade masculina da infância. Como não honrar profundamente todos esses
homens que hoje em dia reivindicam o direito de serem pais, que se reúnem em
busca de novos parâmetros de masculinidade, que aprendem a dançar com as
mulheres, que se arriscam a tatear no escuro para encontrar uma nova maneira de
ser no mundo? Mas abrir mão daquilo que se conhece em direção ao desconhecido
não é exatamente o que precisa fazer o jovem herói que segue seu coração?
As iniciações femininas ligadas à mitologia da Grande Mãe, ao
grande círculo, ao tema da morte/renascimento e ao Eterno Retorno, apesar de
também terem sido violentadas de muitas maneiras, não podem ser totalmente
esquecidas enquanto tivermos um corpo físico e vivermos a realidade de nascer
através do corpo de uma mulher para depois morrer (o que parece ser uma
tristeza para alguns neurocientistas e buscadores de Inteligência Artificial). Mas
mesmo essas iniciações perdem muito do seu sentido sem uma face masculina
complementar saudável e por isso acabam se distorcendo em algo muito grande,
poderoso e perigoso, mais temido que reverenciado. Já a mitologia masculina
fala da busca, da jornada da inocência em direção à experiência, das trevas
para a luz, da saída do lar para o horizonte mais amplo, e isso significa
responder ao chamado para algo desconhecido. Nesse sentido exige uma escolha do
herói, e percebemos sua ausência nas enormes dificuldades que tanta gente tem de sair de casa, de abrir mão da dependência infantil e de experimentar uma existência diferente daquela em que se foi criado. Os sofrimentos ligados a Saturno tem sentido iniciático exatamente
por evidenciar essas dificuldades e essa falta sem dar ouvidos ou espaço para
as desculpas que nos damos para não assumirmos a responsabilidade do trabalho
do nosso caminho, e essa é a verdadeira função paterna. Como disse a terapeuta
e consteladora familiar Evanilde Torres: “É a partir do corpo do Pai que a vida
explode para cada ser vivo. Por esta razão, Pai significa movimento, impulso. É
através do nosso Pai que o mundo se abre como opção. Pai é tapa na bunda para
impulsionar, é ‘levanta pra cair de novo’”. Cada ciclo mítico precisa ser
cumprido várias vezes em nossa vida e a falta de um implica no desequilíbrio do
outro. Hoje em dia, com a demanda que homens e mulheres enfrentam para a
manutenção e exploração criativa do mundo ao mesmo tempo, precisamos mais que
nunca desenvolver esses dois potenciais que nos pertencem e nos fazem inteiros.
Somos filhos de não iniciados, os manuais de instruções não
funcionam e vivemos em uma sociedade decadente... Adivinhem onde vamos
encontrar novos caminhos? Vai pra dentro, criatura! Uma das descobertas bacanas
que C.G.Jung fez foi a de que o inconsciente busca sempre o equilíbrio e a
cura, então é lá que podemos encontrar respostas que o mundo externo não tem.
Jung chamava esse ir para dentro de individuação, e precisamos de coragem e um
profundo desejo de conhecer a verdade para encarar essa aventura sem nos
perdermos.
Nossos guias internos para esse universo inconsciente são as
contrapartes opostas à nossa consciência de gênero, ou seja, os homens têm uma
guia feminina que foi chamada de Anima e as mulheres tem um guia masculino chamado
de Animus. Faz sentido que aquilo que nos oferece um caminho para o
inconsciente tenha uma identidade oposta àquela que trabalhamos
conscientemente, não? A Anima tem uma natureza de Eros, yin, passivo, ligada ao
corpo, ao instintivo e às emoções, enquanto o Animus tem uma natureza yang de
Logos, ligada ao mental, à ação e ao intuitivo. Ou seja, os homens falam com o
inconsciente através dos sentimentos e as mulheres através do pensamento e da
ação. Vocês conseguem ver o quão ruim são as caricaturas do homem que não sente
e da mulher que não pensa? Não posso deixar de ver essas caricaturas de
masculino e de feminino diretamente ligados à necessidade de homens e mulheres
lutarem pelo direito de não serem humilhados e violentados. E claro que a
melhor maneira de nos conscientizarmos desses elementos orientadores do
inconsciente será através dos relacionamentos com pessoas do gênero oposto ao
nosso (principalmente nos amorosos, mas não apenas), pois aqui temos a maneira
mais automática e pessoal de projeção do nosso universo interno sobre o mundo
externo. Buscaremos nos outros aquilo que pode nos mostrar quem somos. Claro
que as primeiras pessoas a iluminarem esses arquétipos são nossos pais ou quem
ocupou o lugar deles na nossa infância, tanto conscientemente, nos mostrando
como homens e mulheres se comportam, quanto inconscientemente, servindo de
projeção para nossa contraparte inconsciente de Anima e Animus. Com o tempo
vamos colorindo essas figuras com outros encontros e no inconsciente temos uma
fonte inesgotável de imagens para alimentá-las. A falta de figuras masculinas
adultas e a onipresença feminina em nossas formações vão criar movimentos tanto
conscientes quanto inconscientes, e nosso desafio é estar entendendo como essas
partes agem para poder trabalhá-las a nosso favor, para que sejamos cada vez
mais inteiros. Se as vivências com aqueles que nos criaram foram muito
complicadas, teremos mais desafios na hora de trabalharmos com esses elementos
inconscientes, os homens quando tiverem que trabalhar suas emoções e
corporeidade individualizada e as mulheres na hora que expressam seu espírito em
domínios coletivos, pois a tendência é de deixar o inconsciente agir de maneira
livre demais para compensar os distúrbios conscientes. Isso costuma dar mais
trabalho, afinal, aquilo que nós rejeitamos vai para o inconsciente, que aceita
tudo, e aí vamos criar uma briga entre o que o inconsciente traz e a
consciência que construímos de nós mesmos. E haja Rivotril para tentar aplacar
essa briga... Isso será explicitado através dos relacionamentos com nossos
afetos e desafetos do gênero oposto, onde nosso inconsciente se projeta para
ganhar atenção e consciência. Agora, adivinhem com que tipo de forças Escorpião
trabalha?
O elemento Água sempre tem um canal de comunicação com o
inconsciente que precisa estar o mais limpo possível para que se viva bem onde esses
signos dominam. Câncer tem esse canal via inconsciente familiar ou sistêmico, Peixes via
inconsciente coletivo e Escorpião via inconsciente pessoal, que é exatamente esse
campo onde nos deparamos com o estranho, o outro, o “não eu”, e projetamos
nosso inconsciente. Transformamos o outro em símbolo daquilo que nos habita
internamente e que não queremos ou não podemos ver. Por isso o signo de
Escorpião, a casa oito e Plutão, estão tão associados à ideia de crise, no
sentido de conflito mostrado pelo I Ching, onde o Céu Criativo tende a subir e
a Água Abismal tende por sua natureza a descer (hexagrama seis) Aqui podemos
ver o conflito entre nossa consciência racional e o material que foi parar no
inconsciente por medo e/ou culpa, criando um abismo dentro de nós. As nossas
ligações emocionais com os “outros” de nossa vida sempre nos forçam em direção
à nossa natureza sentimental, que precisa ser primeiramente identificada e
então examinada para poder ser transformada, e nada nos faz ir nessa direção
mais rapidamente do que a frustração. A velha máxima satriana, “o inferno são
os outros” é absolutamente real aqui. Saturno em Escorpião vai garantir que a
relação com o “outro” entre nesse nível de conflito e obrigue a pessoa a passar
por processos dessa natureza se ela escolher se transformar em adulto, e esse
tipo de iniciação é realmente algo para quem tem coragem de ir fundo na vida. A
única arma que eu consegui descobrir que funciona nessas circunstâncias é a
verdade, a coragem para ver as coisas como elas são e a aceitação de que é
assim que são. E gente, eu garanto que fazer Heliski no Himalaia ou BASE
Jumping nas Torres Petronas de Kuala Lampur é para os fracos, pois quando o
abismo está dentro, não há paraquedas que amorteça a queda. Mas só quando se
experimenta pular é que se descobre que o abismo não era tão grande como
parecia olhando de fora.
A grande força que Escorpião traz enquanto Água Fixa é
aquela ligada às energias criativas e procriativas que esse signo controla e
através dos quais entra em contato com os outros. Nessa esfera compreendemos
que sexo tem pouco a ver com o contato físico entre as pessoas e muito mais a
ver com forças emocionais e químicas, além de ser uma das vivencias que mais afeta
o nosso universo mental. O fluxo que pode ocorrer durante o ato sexual entre
duas pessoas por um breve segundo traz a experiência de perda da percepção
individual e o vislumbre de se sentir um com outro ser humano. É nesse sentido
que Escorpião se liga à ideia de morte, pois aqui temos a morte da
personalidade consciente que se entrega para esse tipo de suspensão. Aliás,
todos os tipos de transe que utilizam meios físicos de maneira proposital, como
o uso de drogas psicotrópicas com fins religiosos ou não, as danças e ritmos
hipnóticos, etc., também fazem parte dessa esfera Escorpião/casa 8/Plutão, pois
têm como objetivo exatamente esse êxtase de esvaziamento do eu. Claro que
depois, quando o eu recupera seus contornos e percebe as modificações que a
união com o outro provocou, pode ficar bem temeroso. Que atire a primeira pedra
aquele que nunca se retraiu frente ao medo da aparente vulnerabilidade
emocional que o envolvimento maior com o outro traz. O que as terapias sistêmicas
(como a constelação familiar, por exemplo) estão verificando é que depois que a
união ocorre não é mais possível excluir totalmente o parceiro, mesmo que o
mental acredite piamente nisso. Se isso é bom ou ruim, cada um deve fazer esse
julgamento por si só. Como tem sido a sua escolha por parceiros sexuais? E mais
importante, como você tem se comportado como parceiro sexual? Pois Saturno em
Escorpião vai exigir um mergulho mais profundo nesse universo e cria a
necessidade de um conhecimento prático de si mesmo e daquilo que buscamos no
“outro” que nem todos estão dispostos a fazer. De qualquer maneira ele irá
cobrar o preço pela nossa ignorância. Tem sido uma surpresa e uma alegria ver
esse povo passando por esse Retorno de Saturno com tanta disposição de ir mais
fundo, e que entendem exatamente o que quer dizer isso. Parece que a única
coisa que Saturno exige para fazer a iniciação adulta é a disposição
para ir além da esfera lunar materna conhecida. Saturno com certeza encontrará a
parceria perfeita para você fazer isso.
A estratégia tradicional de Saturno para nos levar ao
processo de crescimento consciente adulto é através da falta e da frustração
que criam um imenso desejo de ter aquilo em nossas vidas, e para isso nos
esforçamos nessa direção. Em termos míticos representa a parte em que o herói
tem que enfrentar o deserto se quiser chegar ao seu destino. Com Saturno em
Escorpião o mais comum é que isso se manifeste através de um histórico de falta
de contato emocional mais profundo na família, seja por morte real ou por
distanciamento afetivo, principalmente por parte do pai em se tratando do nosso
titã. Algumas vezes há pouco contato físico com a criança em uma fase que essa
é única maneira compreensível para ela, ou então os problemas sexuais dos pais
criam uma atmosfera de medo e hostilidade que é captada mas não explicitada,
deixando tudo muito confuso e trazendo problemas quando se trata de contato
físico, e muitas vezes há realmente uma ameaça física à criança. Seja como for,
se cresce com um sentimento de isolamento e uma certeza de que não se pode
compartilhar essa sensação para aliviar a dor. Em As Máscaras de Deus, Mitologia Criativa (Editora Palas Athena,
1994), Joseph Campbell diz que “O deserto (...) é qualquer mundo no qual (...)
a força e não o amor, a doutrinação e não a educação, a autoridade e não a
experiência prevalecem na organização da vida, e no qual os mitos e ritos
impostos e recebidos não estão (...) relacionados com as verdadeiras
percepções, necessidades e possibilidades interiores daqueles em quem são
incutidos.” Pois com Saturno em Escorpião (e também na casa 8), a pessoa busca
união como água no deserto, e isso transforma as relações afetivas em algo
muito intenso e com necessidades emocionais muito profundas. Assim como os
adolescentes acreditam esconder o que sentem por traz de uma cara de mal e um comportamento
rebelde, a nossa tendência ao se deparar com Saturno é ficar com tanto medo que
se evita o assunto ou então se finge não ter nenhuma dificuldade com isso. Os
perfis típicos aqui são do celibatário cheio de hostilidade para com os
sexualmente ativos, e do abertamente promíscuo, que tenta seduzir qualquer
coisa que apareça pela frente. Não é preciso análises muito profundas para
perceber que temos nos dois casos um problema fundamental no relacionamento
emocional com outra pessoa, e tanto em um caso quanto no outro se está preso na
armadilha que Saturno joga quando em signos de Água, dizendo que se pode
transformar um valor emocional em um valor material. Os dois sentimentos que
mais nos deparamos quando se trata de Saturno são medo e culpa, que bloqueiam
os dois chacras básicos, ligados à sobrevivência e ao prazer, e ao tentar não
sentir isso teremos problemas de frigidez. Pronto, confirmamos nossos medos de
não conseguirmos nos unir a outra pessoa, aumentando nosso medo e nossa culpa.
É importante entender não sentir é uma defesa emocional, por mais fantasias de
racionalidade que se coloque em cima.
Entramos nesse ciclo porque tentamos colocar em outras
pessoas a possibilidade de curar as feridas iniciáticas de Saturno, criando uma
fantasia mais ou menos consciente de que se poderá renascer e transformar a dor
através de alguém que não tenha as restrições emocionais que se vê em si mesmo.
As vezes demoramos muito tempo nos frustrando para aceitar que a falta que
tivemos em nossa história não poderá ser preenchida nunca por coisa alguma, e que
portanto temos que fazer algo com aquilo que vivemos em vez de criar ilusões
para tentar apagar aquilo que nos feriu. Só quando a pessoa é suficientemente
honesta consigo para entender que em seu íntimo há algo que precisa se
desenvolver através do próprio esforço (como todo mundo), ela estará pronta
para compreender e disciplinar sua natureza sexual de modo a expressar essa
força de maneira positiva, em busca da conquista de uma real união, profunda e
verdadeira, feita não apenas de fantasias celestes, mas de muito trabalho
consigo mesmo, e independente de quem for sua parceria. Na verdade ninguém nasce pronto, e precisamos mesmo de muita
experiência em ser quem somos para podermos ficar inteiros. O primeiro passo
para isso quando se trata de Saturno em Escorpião é conseguir se revelar para o
outro em sua fraqueza, sabendo que o outro não pode salvá-lo, e correr o risco
de perdê-lo. Uma das coisas que mais alimenta o lado negro de Saturno é a
vergonha que temos das nossas dificuldades naquela área. O intenso isolamento
emocional que o Saturno escorpiniano nos remete faz com que essa vergonha seja
quase insuportável, e a força que se tem que desenvolver para ultrapassá-la
pode parecer demasiada. Saturno governa a estrutura óssea e é através dele que
desenvolvemos a mente concreta ou científica, por tanto é através da tentativa
e erro/acerto que experimentamos na nossa área saturnina que vamos conseguir
criar uma estrutura capaz de realmente sustentar quem somos. Na verdade o
revelar-se para o “outro” é um revelar-se para si, e nisso consiste a cura, em
conseguir olhar para a própria dor sem se abandonar, mesmo que o “outro” faça
isso. Através do nosso inconsciente temos essa capacidade incrível de
transformar coisas, pessoas e vivências em símbolos, e assim criar imagens
mágicas capazes de transformar nossa existência e nos fazer viver em diferentes
níveis ao mesmo tempo. A imagem mágica, ou o símbolo, é portanto a máquina que
transforma a energia psíquica. Ao nos revelar ao outro podemos ver com mais
clareza também quem o outro é, e ver se realmente estamos disponíveis para
aquela relação ou se apenas estávamos usando a parceria para a projeção
inconsciente. Entendemos que a nossa percepção da realidade muitas vezes pode
conflitar com aquilo que vivemos, e assim acolher todas as dúvidas e ideias que
surgem desse confronto, trabalhando simbolicamente com esse material. Normalmente
fazemos julgamentos morais a respeito dessas projeções e sofremos bastante, mas
isso apenas significa que a estamos olhando com olhos da consciência, e se
conseguimos seguir em frente e nos perguntar de onde veio essa “ilusão”,
poderemos nos voltar para dentro e descobrir todo um mundo, com novos modelos e
possibilidades de liberdade. Essa é a
grande vantagem de se fazer terapia, onde se cria um ambiente seguro para
treinar o revelar-se para o mundo. É por isso que sempre digo que a linha que o
terapeuta segue é o menos importante, pois o que se precisa é alguém que possa
receber as suas projeções, que possa se sintonizar com seu inconsciente, e isso
se revela na primeira entrevista e não no curriculum do terapeuta.
Saturno não dá nada de graça, como Júpiter faz, e por isso
mesmo podemos reconhecer com muita consciência o valor daquilo que conquistamos
por seu intermédio. Saturno sempre exigirá a “disciplina imposta por você
mesmo, sobre você mesmo” para que se possa conquistar a liberdade de expressão
e de realização mais profunda. Se não tivéssemos uma certeza de alma a respeito
do enorme potencial que existe em nós por baixo daquela falta/dor/ferida
saturnina, essa dinâmica não teria tanta força em nossas vidas. O Saturno em
Escorpião tem como tarefa básica aprender a ser sincero emocionalmente para
poder sair do fosso de solidão que se caiu, passando por toda a raiva, impotência,
rivalidade e frustração acumulada durante a vida. Uma das boas coisas que
ganhamos quando aceitamos a tarefa de nos tornarmos adultos através de Saturno
é que vamos aprendendo a escolher as lutas que valem a pena em
vez de ficarmos brigando conosco o tempo todo, pois aprendemos a olhar e
aceitar a realidade como ela é. A sensação íntima e dolorosa de ser vencido
emocionalmente por quem se ama se transforma em uma capacidade refinada de
avaliação de até onde o outro está disposto a ir sem se deixar prender por
isso. Os poderes de cura e de vida disponíveis no inconsciente são infinitos
para quem quiser buscá-los através do coração. A união íntima que se quer tanto
fora só é possível através da relação amorosa com nossa(s) contraparte(s)
interna(s), pois aí se pode amar ao próximo por se amar a si mesmo. Não consigo
imaginar nada que seja mais bonito e poderoso que isso.
Hoje é dia dos pais, então dedico essa postagem ao meu, que me colocou no mundo e me deu o suficiente para fazer algo bacana com a vida que ganhei dele. Muita gratidão.
10 comentários:
Agradeço o impressionante texto. A fundamentada e reflectida informação foi elaborada para 'mim'. Bem haja.
Que bom,bem haja.
Um Saturno transitando pela casa 12, inicialmente quadrando a lua em leão, e depois, fazendo conjunção com vênus, marte e por último plutão é tudo, menos fácil.. É o ciclo mais difícil da minha existência, e isso tudo antes dos 20. Bem, a partir de agora, é a conjunção com o ascendente, mas voltando a transitar retrógrado ao longo do ano. Teca, amo seus textos, é de uma clareza enorme, principalmente por ter essa corrente psicológica que eu tanto me identifico.. Você poderia elucidar um pouco esse processo de Saturno entre a casa 12 e ascendente\casa 1? Espero que ao decorrer do trânsito, quando Saturno fizer conjunção ao meu Júpiter na casa 1, melhore um pouco toda essa tempestade :\
Sou muito grata a você! Muito, muito!
Oi Anonima
Minha flor, se antes dos 20 anos vc acredita que já passou pelo ciclo mais difícil da sua vida, as coisas vão ficar bem complicadas, não? Bom, mas isso quer dizer que daqui pra frente vc só espera receber coisas boas e isso pode ajudar, mesmo sendo um tanto não realista... Eicha, mas a palavra chave para Saturno é realismo... Lua em Leão dá trabalho, né?
Não é nada agradável esse transito de Saturno pelos planetas pessoais mesmo, pois a gente fica sem tesão, sem energia para fazer as coisas e os tais 50 tons de cinza se transformam em uma novelinha bem sem graça que invade a nossa vida. Também é uma época em que nossa auto estima fica muito prejudicada, pois saturno fica questionando a maneira como a gente se sente bem, e "os outros", essa entidade que acaba com a nossa vida, parece particularmente inclinada a nos criticar. A lição de casa nesses tempos é: o que vc realmente quer e o que vc tem que fazer para conseguir isso, disponibilizando-se a pagar o preço para isso. Quando se trata de Saturno, boas idéias, intenções e sentimentos não têm o menor valor, apenas aquilo que vc consegue concretizar. Se tratando de casa 12 isso é mais complicado, porque implica em construir realmente uma ponte entre a sua consciência e o inconsciente. Então a pergunta é se vc conseguiu fazer isso, ou seja, vc tem hj em sua vida alguma prática cotidiana como meditação, yoga, tai chi, dança de salão, caminhada, desenho livre ou o que seja, onde vc possa estar em contato com vc de maneira mais profunda e superar o medo da solidão ao mesmo tempo? Ou ao menos está fazendo terapia e tendo uma vez por semana um espaço para se explorar internamente? Se vc conseguiu isso antes dos 20, muitos e muitos parabéns, Anônima, pois tem gente que só conquista isso depois dos 40. Realmente sua vida vai ser bem melhor depois disso. E agora, quando Saturno entrar no seu ascendente, vc tendo uma relação mais profunda com vc mesma, entendendo melhor o que vc valoriza e o que precisa para se sentir valorizada, além descobrir como focar sua energia para aquilo que vc quer, chega a hora de vc construir no mundo aquilo que vc ambiciona para vc mesma! Olha que bacana! Saturno no ascendente costuma ser um tempo de assumir responsabilidades por quem se é, e toda vez que vc quiser pegar um atalho - estratégia tipica de Júpiter - ou jogar sua responsabilidade para outra pessoa, ele vai estar puxando o seu pé. O que quero dizer é que se vc conseguiu ir um pouco mais fundo no seu auto conhecimento durante esse duro e solitário aprendizado de Saturno na 12, quando ele entrar no seu ascendente vc estará preparada para usar esse tempo para realizar de verdade aquilo que vc sempre ambicionou para si mesma. No começo as coisas podem parecer lentas e cheias de obstáculos, mas se vc insistir e mostrar que quer mesmo isso, vc pode conquistar coisas nesse momento que irão servir de alicerce para muitas coisas no futuro. Claro que todas essas suas forças de fogo não gostam muito disso tudo de tempo, responsabilidade e paciência, mas garanto que vale a pena. Com certeza vc conseguirá construir abrigos para as próximas tempestades. Sim querida Anônima, a vida é cheia de tempestades mesmo... mas elas também passam. Ajudou?
Teca, com certeza ajudou! Exatamente hoje saturno está no grau do meu ascendente, e eu me lembrei que eu tinha escrito esse comentário no seu blog, porque exatamente hoje estava sentindo aquele peso saturnino no dia, sabe? Então sempre procuro estudar. Sim, eu tiro esse tempo pro autoconhecimento, e medito, apesar de pouco. Com certeza vou anotar essa dica e meditar mais vezes na semana. Eu tenho uma interceptação de escorpião dentro da minha casa 12. Meu solar é libra, e libra está na cúspide da 12. Com certeza, muitas transformações aconteceram mas sinto que sim, sou muito mais forte hoje. Muita coisa na minha vida mudou, e meu objetivo desde o ano passado foi conseguir ingressar na faculdade, na area de humanas, e eu lutei muito, e consegui meu objetivo. Eu li que, começar projetos nessa época não era uma boa, mas não sei enquanto aos cursos superiores.. Até porque, eu estou com júpiter no meio do céu agora, e realmente tive uma boa oportunidade. Não vai ser fácil, eu sei, mas como você disse, saturno pede essa persistência.
Me desculpe falar tanto de mim assim, mas quis dizer com isso tudo que astrologicamente, tudo o que você veio escrevendo, aconteceu comigo e isso é incrível. Cada vez mais me apaixono por esse autoconhecimento.
Lua em leão dá muito trabalho! hahaha, porque talvez eu tenha exagerado um pouco falando sobre toda a tempestade que passou. Não que foi fácil, mas eu sou forte, e não preciso ver as coisas tão "fogosamente" rs.
Eu realmente mudei, apesar de que eu ainda tenho toda a profundidade daquela energia de escorpião, profunda e densa, mas quando saturno sai da casa 12, é uma visão diferente, pelo menos é o que eu venho experimentando. Ano passado eu me recuperei em uma nova cidade, com uma nova rotina, muito melhor, de uma doença que me emagrecia sem eu conseguir ver, de um acidente com traumatismo, e o que eu venho conquistando hoje só me dá motivação para ir em frente. Anotei todas as suas dicas, Teca. Mais uma vez, me perdoe pelo texto longo falando sobre mim. Espero não ser cansativo de ler, mas te agradeço muito pelos textos e pela sua atenção!
Querida Anonima Libriana
Uma alegria poder ler sobre sua aventura existencial, principalmente com as associações astrológicas que vc faz. Me sinto muito honrada quando as pessoas tem confiança em mim para contar suas vidas assim. Obrigada.
Algumas lições que podemos tirar da sua histôria:
- é bem comum vc escutar que Saturno na 12 é ruim para se iniciar projetos, mas é por conta dele te puxar para dentro, e isso acaba sendo mais importante que qquer outra coisa. Saturno no ascendente costuma trazer muitas responsabilidades, mas só tem valor se vc estiver fazendo algo que tem importância interna para vc, principalmente depois dos duros processos com Saturno na 12. Mas quando vamos fazer a interpretação de um mapa temos que analisar tudo que está acontecendo. Curso superior tem a ver com casa 9, a casa antes do MC, onde Júpiter provavelmente vinha passando no ano passado.
= Dicas para Lua em Leão: ela tende a dramatizar mesmo, pois vê a vida com cores fortes, o que pode ser lindo, mas quando vc usar expressões do tipo sempre, nunca, toda vez, em geral é sinal de algum sofrimento lunar que precisa ser olhado, e essa é a maneira que ela tem para avisar isso. Normalmente isso tem a ver com medo e é importante vc achar maneiras de se tranquilizar. Meditação pode ajudar nisso também.
- E acho, caríssima, que essas coisas muito difíceis que vc viveu estão conectadas com Plutão na sua casa 4 (mudança de casa, doença que faz coisas subterrâneas que não se vê) que briga desde 2010 com Urano na sua casa 7 em Aries (acidente com traumatismo). Dá umas pesquisadas nisso e qquer coisa que precise pode me escrever que a gente vai conversando. Se quiser, escreva para meu email tterecriss@hotmail.com
Abraço, querida e tudo de melhor para sua vida. Parabéns por tantas conquistas. Astrologia é mesmo espantosa!!
Seu texto é excelente, Teca. Gratidão por disponibilizar seu conhecimento.
Observando a troca de infos entre vc e a anônima, ressalto q a astrologia é, de fato, muito espantosa, como vc disse a ela, mas o conhecimento, a sensibilidade e a capacidade de fazer ligações e conexões fica por conta do astrólogo.
Obrigada, Ana Cláudia, fico muito contente quando consigo tocar as pessoas com o que escrevo. E vc tem razão, trabalhar com gente significa desenvolver a sensibilidade também, mas a astrologia tem essa coisa de vc ler a pessoa só com a astrologia mesmo, sabe? Quanto mais se estuda a astrologia em si, mesmo sendo um trator como astrólogo, se consegue ver tanta coisa que é sempre encantador... acho eu... Abraços
Oi, Teca! Cá estou eu depois de algum tempo. Me peguei novamente lendo seus textos como aconselhamento do meu atual momento e cai nesse texto.. me reconheci na fala dos comentários, o que foi uma surpresa. Rs
Gostaria de continuar nossa conversa. Você foi e é uma boa amiga, mesmo sem ter ideia disso. Seus textos possuem um valor muito grande, não só pra mim, mas sei que pra muitos que estão no caminho do autoconhecimento através da astrologia. Lindíssimo a sua atitude de compartilha-los! Te agradeço mais uma vez. Te mandarei um email e breve.
Abraços!!
Ah, esse querido povo anônimo com Saturno em Escorpião!...
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