“Caminante,
son tus huellas
el
camino y nada más;
Caminante,
no hay camino,
se
hace camino al andar.
Al
andar se hace el camino,
y
al volver la vista atrás
se
ve la senda que nunca
se
ha de volver a pisar.
Caminante
no hay camino
sino
estelas en la mar.”
Antônio
Machado
“Caminhante,
suas pegadas são
O
caminho e nada mais;
Caminhante,
não há caminho,
O
caminho se faz ao andar.
Ao
andar se faz o caminho
E
ao se voltar a vista para traz
Vê-se
a trilha que nunca
Se
irá voltar a pisar.
Caminhante
não há caminho
Apenas
estrelas no mar.”
Se
entendermos como os arquétipos dos astros de nosso mapa se constelaram em nossa
vida, podemos seguir adiante e progredi-los para continuar contando nossa
história. O que se observa é que as progressões mostram situações de
desdobramento desses momentos, e assim conseguimos aprofundar a compreensão
daquilo que nos faz ser o que somos. Teoricamente isso pode ser usado como
oportunidade de mudança através de maior compreensão, pois se entendemos como
nossa consciência se formou e quais padrões de medo e distorção se
cristalizaram em nossas vidas, podemos trabalhar para mudar esses padrões e
criar outros mais felizes. Bonito isso, né? É bem comum ouvir dizer que o nosso
mundo e destino funcionam assim hoje em dia. Mas eu ainda sinto que esse é um
ponto espinhoso de reflexão – e por isso tão interessante. Desde o século XVIII,
com a invenção do indivíduo para além da unidade biológica, ficou mais complexo
pensar sobre o que move o Ser Humano e sobre nossos impulsos de liberdade e de
destino, de acaso e necessidade. Mais ainda nessa sociedade globalizada de
massa transaturnina em que vivemos. Responsabilidade pessoal x destino
pré-determinado: como conciliar o trabalho das Moiras que determinam nosso
destino com a epígrafe do Templo de Delfos, “Conhece-te a Ti Mesmo”?
Esse
é um tema que vira e mexe reaparece nas minhas conversas internas, e que me
ocupou enquanto relia um pequeno e interessante livro que traz uma vida
codificada astrologicamente, uma espécie de autobiografia progredida. Trata-se da
vida de J.B. Morin de Villefranche, grande astrólogo contemporâneo de Kepler,
que viveu entre 1583 e 1656. Professor de Matemática do Collége de France,
Villefranche fez uma revisão muito importante das progressões e de várias
regras astrológicas de interpretação. Em sua grande obra, Astrologia Gallica, ele muitas vezes utiliza sua biografia para
exemplificar as progressões (direções, revolução solar e lunar principalmente)
e trânsitos. O astrólogo francês Jean Hièroz colecionou esses exemplos
autobiográficos e nos presenteou com Minha
Vida Perante os Astros (traduzida no Brasil por Marcia Bernardo, Ed. Espaço
do Céu Centro de Astrologia, 2002).
Vamos
fazer uns parênteses aqui para dar uma ideia melhor do que estamos falando quando
nos referimos às progressões utilizadas por Villefranche. A progressão
primária, antigamente chamada de direção, é usada de maneira privilegiada em
seu trabalho. Essa progressão transforma o movimento diário de cada astro em
movimento anual. Cada planeta tem seu próprio movimento médio anual, levando em
conta inclusive seus movimentos diretos e retrógrados. Apenas o Sol e a Lua têm
um movimento constante e sempre direto, o que os fazem ser parâmetro para
progressões secundárias, como na Revolução Solar (aqui você pode ter uma ideia
do que é isso: http://tecadias.blogspot.com.br/2009/09/revolucao-solar-face-rebelde-do-sol.html)
e na Lunar (que é uma progressão mensal feita através da Lua em seu ciclo de 28
dias em volta da Terra). Se você quiser investigar as direções no seu mapa – o
que recomendo muito -, aqui vai uma lista do movimento médio anual dos planetas
progredidos, e aí é só avançar os astros nesses graus para cada ano de vida
(lembrando que um signo tem 30°, um grau 60’ e um minuto de grau 60”), ver quem
encontra com quem de que jeito, quando muda de casa e de signo, e construir sua
própria biografia progredida:
Sol
– 1° por dia
Lua
– 12º por dia
Mercúrio
– 1°23’ por dia
Vênus
– 1°12’ por dia
Marte
– 0°31’ por dia
Júpiter
– 0°5’ por dia
Saturno
– 0°2’ por dia
Os
Transaturninos são bem lentos, e por isso não faz sentido usá-los nesse tipo de
progressão, e para Villefranche eles não eram nem sonhados, mas para sua
cultura geral:
Urano
– 0°0’42” por dia
Netuno
– 0°0’24” por dia
Plutão
– 0°0’01” por dia
A
leitura de “Minha Vida Perante os Astros” é interessante em muitos sentidos, e
tentar ler esses relatos autobiográficos e astrológicos com os olhos do século
XVII - ou seja, muito antes da penicilina, de Freud e Jung ou da física
quântica -, dá muito material para nosso Mercúrio se divertir. Mas
ver como Morin de Villefranche trabalha os acontecimentos de sua vida de modo a
explicar seus problemas através dos astros não é apenas didático, mas também
instigante. Claro que muito das desgraças que lhe acontecem são culpa de
Saturno e Marte, os grandes vilões da astrologia tradicional, e ele só não se
acaba de vez por conta das saídas criadas por Vênus, Júpiter e a Misericórdia
Divina. Mas o grande problema de sua existência e de seu destino é o incrível stellium no signo de Peixes na casa XII:
Vênus, Sol, Júpiter, Saturno e Lua! Todo mundo junto naquela que era conhecida
como “Casa da Miséria e do Aprisionamento”. Para expressar tanta “piscianisse”,
Villefranche conta com um ascendente ariano, que, digamos assim, não é dos
signos mais introvertidos que conhecemos, e não irá facilitar muito o processo
de introversão necessário para elementos de casa XII. Se você quiser dar uma
olhada no mapa todo, seus dados de nascimento são: 23/02/1583 às 8h33min, em
Villefranche, Beaujolais, França.
“Minha
Vida Perante os Astros” é estruturado de maneira bem didática, com a descrição
de um evento na vida de Villefranche, seguida de uma descrição astrológica da
progressão e/ou trânsito que “causou” o evento. Apesar de escrito em
“astrologuês”, portanto um tanto enfadonho para quem não domina essa linguagem,
são muito divertidos os relatos do que esse senhor aprontou em sua vida. Para
se entender o que estou falando, aqui vai um exemplo. Primeiro ele cita o fato que irá analisar de sua biografia (os comentários entre parênteses são meus):
“No dia 30 de maio (de 1612), dia do grande eclipse do Sol, após uma bebedeira
exagerada com dois amigos suíços, meus colegas de Filosofia, e após exercícios
físicos bastante violentos em pleno meio-dia, apesar do ardor do Sol, eu fui
tomado por uma longa e grave doença. Essas doença se complicou com febre
crônica, (...), icterícia e hidropisia, durando mais de 6 meses e foi
tão grave que os médicos me condenaram e aconselharam a ir, se possível, morrer
na minha região (SIC). Eu fiz esta longa viagem com meus dois amigos suíços que
retornaram a sua pátria. O exercício, a mudança de ar e o uso de um generoso
vinho branco tiveram por consequência suores noturnos abundantes e muito
cansativos, que ao fim de um mês, livraram-me desta doença. No decorrer desta,
meus cabelos tornaram-se completamente ruivos e encrespados como os de um
etíope. Retornaram em seguida sua cor normal”.
Para
fazer uma explicação astrológica do ocorrido, Villefranche utiliza Direções no
tema radical (ou seja, ele progride os astros conforme seu movimento dia/ano),
a Revolução Solar do seu aniversário daquele ano, a Revolução Lunar do mês em
que caiu doente, e ainda faz direções no mapa da Revolução Solar e no da
Revolução Lunar! Muito didático realmente, mas tanto detalhamento de
responsabilidades astrológicas deixa muito pouco espaço para qualquer
responsabilidade pessoal. Aqui um trecho de uma dessas tantas explanações
astrológicas para se entender do que estou falando (lembrando novamente que
Villefranche só conhece o céu até Saturno): pg 41/42 “(...) esta (enfermidade)
deve sua importância ao Sol e à Lua feridos por Saturno. Ela teve por origem
uma bebedeira e jogos sob o Sol ardente, por causa do Sol e de Mercúrio, donos
da V - casa das voluptuosidades - em ambas as cartas (Revolução Solar e mapa
radical), feridos por Saturno, e porque Júpiter, dono da VIII e XII (onde se
encontra Sagitário e Peixes) em ambas as cartas se encontrar na V. Ela foi
longa por causa de Saturno e bastante perigosa devido à Lua na VII da Revolução
Solar com uma estrela fixa violenta (Antares, também chamada Coração do
Escorpião) que cai precisamente sobre a cúspide da VIII.”
Vejamos:
esse senhor toma o maior porre pela manhã e vai fazer exercícios violentos com
sol a pino, seu fígado e seus rins lhe perguntam de maneira bem enfática para
onde ele pensa que vai, e o problema é a ferida feita por Saturno. E claro que
ele só fez essas coisas todas por conta do Sol e Mercúrio atiçando sua
voluptuosidade de casa V. Então tá, né? Não acho que precisaria de tantos
detalhamentos astrológicos para aconselhar Villefranche a não fazer esse tipo
de coisa senão ele pode ficar doente. E com Saturno conjunção ao Sol e
enquadrado com a Lua na Revolução Solar, eu diria que estar atento às
limitações seria sábio. Mas falar isso para um pisciano/ariano não é a coisa
mais bem recebida do mundo, certo? Em um ano em que sua Revolução Solar tem uma
Lua em Sagitário então... Como esperar que esse senhor seja comedido para não
ficar doente esse ano? E gente, que médicos do SUS são esses que mandam
Villefranche ir morrer em casa, estando ele no sul da França e a casa dele
estando na Suíça? Mas interessante mesmo é que a cura de sua enfermidade vem
exatamente dos mesmos elementos que a causaram: bebida e exercícios físicos, ou
seja, aquilo que começa como imprudência e descomedimento se transformam em
expurgo e purificação.
E
aí tenho sempre essa dúvida quando tenho que responder às demandas de previsão
daqueles que me procuram. A maioria das pessoas que buscam algum tipo de
olhar preventivo para o futuro têm em mente a pergunta “qual o melhor caminho?”
ou então “qual o caminho correto?”. E uma voz ancestral sempre pergunta dentro
de mim: “melhor para quem, cara pálida?”, “correto para quem, caraíba?”.
Sempre
que olho para um mapa minha mente se enche de perguntas e não de respostas ou
de certezas. A primeira pergunta quase sempre é “quem é essa pessoa, e como ela
faz para que esses símbolos se concretizem em sua vida”? Principalmente quando
olho o mapa de pessoas muito jovens, essa minha curiosidade básica costuma
gerar leituras bem ricas e muito mais interessantes do que aquelas que vendem
nos manuais de astrologia. Outro dia uma cliente, que é psicóloga e que entende
de astrologia, me dizia que algumas vezes ela olha para um mapa e não consegue
ler nada (o que é bem comum no início, não se incomodem quando isso ocorrer), e
pensando sobre isso com ela através de pontos do seu mapa, chegamos à conclusão
que muitas vezes ficamos tão presos àquilo que sabemos de um jeito, que quando
a mesma coisa se apresenta de outra maneira acabamos por rejeitá-la. O que é
uma pena, e uma perda importante. Acredito que é por isso que
muitas vezes me dizem que não conseguem ler o próprio mapa. Estamos tão presos
à nossa auto imagem idealizada, ou às histórias do nosso passado que justificam
sermos como somos, que se torna difícil olharmos para nós mesmos com
curiosidade, refazendo a pergunta de quem somos nós, qual o significado do que
estamos vivendo, e, a melhor de todas pra mim, o que que eu quero mesmo?
Outra
coisa que tenho reparado, principalmente quando olho para meu próprio mapa, é
que essa curiosidade a respeito de si mesmo faz com que o tal futuro deixe de
ser uma ameaça e passe a ser uma aventura. Assim, quando aquilo que você “previu”
acontece, ou seja, ganha uma forma reconhecível em sua vida, a sua atenção pode
se voltar para aquilo que está sendo revelado de novo em você. Isso significa
que, mesmo que o final da história não seja exatamente aquele para o qual você
estava torcendo, e haja algum nível de dor e/ou perda, a energia despertada
pelo auto conhecimento pode trazer a alegria de mais um passo e a possibilidade
de caminhar para um lugar onde essa dor não precise mais ser vivida, onde as
coisas possam ser diferentes, pois você abre a possibilidade de reagir de
maneira diferente e por isso a história muda. A isso eu chamo de cura.
Bom,
e depois de tantos anos vocês já devem estar acostumados com essa coisa d’eu
começar a escrever pensando que vou chegar a um lugar específico e quando vejo
escrevi um monte e perdi o lugar de chegada. Mas é por isso que gosto tanto de
escrever... Ultimamente está sendo bem difícil conseguir ser muito específica pois estou tentando aproveitar esse Netuno em Peixes para entender – mais uma vez – um pouco
melhor a física quântica. Depois de ler uma biografia do Einstein escrita por um físico, caiu nas
minhas mãos uma coletânea de textos do Neils Bohr que são pura poesia, muitos
deles verdadeiros koans que me fazem ficar horas delirando (obrigada Antônio
Celso). Um deles tem vindo à minha cabeça em algumas leituras e previsões
feitas nos últimos dias, e acho que pode traduzir o que queria falar para vocês
sobre previsões aqui:
“O
oposto de uma verdade é uma mentira, mas o oposto de uma verdade profunda pode
muito bem ser outra verdade profunda”.
A
Astrologia e a Vida muitas vezes podem trazer uma verdade profunda que é oposta
à verdade profunda que havíamos descoberto antes. E isso é bom. E leiam
Villefranche.
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