terça-feira, 11 de agosto de 2009

Trânsitos de Plutão

“A vida faz um apelo. Faz um pedido a cada ser humano vivo. A maioria das pessoas não percebe esse chamado. Só quando vocês se tornam conscientes das suas ilusões é que podem ao mesmo tempo tornarem-se mais conscientes da verdade em si mesma e, portanto, da vida. Por conseguinte, entenderão em cada momento o que o chamado da vida lhes quer transmitir. (...). O chamado da vida se manifesta de maneira diferente para cada pessoa. Ele é a um só tempo universal e notadamente pessoal. É universal no sentido de que visa exclusivamente o despertar do verdadeiro eu, a realidade absoluta. Realiza-se nisso de modo totalmente distante do sentimental. Ele desconsidera os apegos pessoais, as considerações sociais e quaisquer outros valores periféricos, incluindo o sofrimento e o prazer da pessoa.”
Guia do Pathwork – Entrega ao Deus Interior

As Ciências Sociais são estudos que nascem no século 19 para tentar responder o porquê de nós, seres humanos, insistimos em viver juntos, inclusive muitas vezes abrindo mão da nossa individualidade. Uma das respostas que mais reverberam para essa questão está ligada com a necessidade que temos do grupo para construir uma identidade, o que, por sua vez, acaba resultando em uma dependência do reconhecimento e aceitação social para se conseguir significar a própria existência. Nossa imagem social é como nosso cartão de visitas, que nos define através do nosso nome, da família que pertencemos, do nosso status profissional ou dos subgrupos que fazemos parte. A adesão social serve à sua estabilidade, mas é muitas vezes negativa para o desenvolvimento pessoal, pois os aspectos socialmente inaceitáveis da personalidade não têm onde se expressar e acabam se distorcendo no inconsciente. É assim que criamos nossa Sombra, e também a Sombra coletiva. Plutão é exatamente o portador da Sombra, aquele que vai revelar os aspectos banidos pela sociedade e que surgem como uma força destruidora do inconsciente, pois ameaça a crença de estabilidade e de coerência que vivemos. Geralmente as sociedades apodrecem de cima para baixo, pois a sedução do poder e da influência estimula a distorção de percepção do indivíduo. “O poder corrompe”, diz o ditado, e as características mais negativas de Plutão costumam aparecer progressivamente nos líderes à medida que seu poder aumenta. Plutão exerce um grande magnetismo sobre as massas, e isso significa que os governantes tornam-se um ótimo meio para Plutão penetrar na sociedade. Quando lidamos com Plutão temos que aprender a lidar com o Poder também.

Na mitologia, Plutão - Hades para os gregos – é o senhor do reino dos mortos e guardião do Tártaro, local de suplício eterno para os pecadores. Apesar da associação com o Inferno Cristão, existem diferenças fundamentais entre o que era pecado para gregos e para cristãos. Se dermos uma olhada nos Círculos do Inferno cristão de Dante - um tanto pagão, eu sei -, os condenados àqueles reinos são adúlteros, usurários, sodomitas e blasfemos, reflexos do problema que a Igreja tem com a vida mundana e sexual do Homem. Já os condenados gregos eram mortais que ultrapassaram seus limites, se encheram de orgulho e desafiaram os deuses e as leis da natureza. A isso eles chamavam hubris, e não havia como fugir do castigo por essa falta. Plutão não se interessa pela vida sexual alheia – ele mesmo era um estuprador – nem se preocupa com o que os homens fazem entre si no mundo da forma, pois sua lei não está a serviço do comportamento civilizado do grupo. As figuras míticas aprisionadas por Plutão são aquelas que cobiçaram deusas, zombaram da divindade, se comportaram como se fossem maiores que os deuses. Esses são condenados a uma existência de eterna frustração e desespero, humilhados por sua arrogância e orgulho, no Tártaro. O Plutão astrológico costuma nos mostrar exatamente onde nossa vontade e desejo pessoais são fracos e sem valor, onde somos humilhados ao querer muito alguma coisa que nos é tirada ou negada. O Senhor das Profundezas nos mostra onde nosso veneno cria nosso inferno particular, onde corrompemos nossa natureza por excesso de hubris.

Quando Plutão passeia por nosso mapa ele vai mostrando onde estão nossas sombras e temos que encarar a descoberta de nossos venenos e podridão. Geralmente pensamos em nós mesmos como pessoas decentes, capazes de perdoar as ofensas alheias e que evitam cultivar o ódio e a vingança. Quanto mais imaculada for a nossa auto-imagem idealizada, mais difícil será o confronto com Plutão. Ele pode surgir como aquela doença misteriosa ou distúrbio emocional capaz de manter nosso companheiro ou filhos ou pais presos a nós ou que servem para sabotarmos os esforços, inclusive pessoais, porque não conseguimos reconhecer que de alguma maneira inconsciente sentimos que os outros nos destroem e devem ser punidos. Outra maneira comum de Plutão se manifestar é através da paixão amorosa, daquelas que faz com que abramos mão de nossas defesas mais bem construídas, e aí se nos revela toda a necessidade de posse, o medo da perda, as manipulações para que o outro faça aquilo que queremos, e outras coisinhas fofinhas do gênero.

Parece que todos nós em algum momento de nossa infância fomos oferecer o nosso melhor a quem amamos e acabamos concluindo que amar dói muito. Então a lógica infantil nos convence que o melhor é não amar mais. Porém, como é impossível viver sem ser amado, começamos a construir subterfúgios para receber amor sem ter que dar nosso melhor em troca. Claro que isso não funciona, pois recebemos aquilo que oferecemos à vida. Enquanto crescemos esses mecanismos para tentar enganar a vida vão mergulhando no inconsciente, e vai ficando cada vez mais difícil perceber o porquê de uma constante sensação de insatisfação e vazio em nossas vidas. Até recebermos um trânsito mais forte de Plutão e sermos obrigados a olhar para todas as artimanhas montadas para não se entregar realmente à vida.

Os trânsitos dos Transaturninos estão a serviço de um crescimento maior de nossa existência e não querem nos destruir. Plutão fará isso estourando nossas defesas e mostrando todo o pus que se escondia por baixo. Sem anestesia. Depois dos processos plutonianos, porém, nossas feridas estão realmente limpas, sabemos de suas reais dimensões e descobrimos como fazer para cicatrizar realmente aquilo. Nossas vidas fiquem mais intensas e inteiras depois dessas visitas.